Receita tradicional de cannoli faz sucesso há 50 anos na Mooca

Doce italiano, com massa frita e recheio de creme, é vendido no estádio do Juventus

Elaine Cranconato
São Paulo

Há praticamente 59 anos o paulistano Antonio Pereira Garcia, 69 anos, se inspira e respira cannoli, o tradicional canudinho italiano de massa frita crocante recheado de creme que se tornou símbolo gastronômico da Mooca, na zona leste de São Paulo.

Cannoli feitos pelo seu Antonio Pereira Garcia, 69 anos, vendidos na rua Javari em dias de jogos do Juventus, na Mooca, zona leste de São Paulo - Ronny Santos/Folhapress

"Estou na rua desde 1960, quando aos 10 anos saía para vender o doce no tabuleiro amarrado no pescoço", afirmou Garcia, descendente de portugueses e espanhóis, que aprendeu a receita siciliana com "seu José e dona Ida", um casal de italianos que morava no bairro.

Na época, o doce era fornecido aos ambulantes, em sua maioria imigrantes italianos, que entoavam a cantoria pelas ruas para atrair a freguesia da região. "Olha a pastitina labaritina, o beijo da moça, a língua da sogra, o cannoliiii", canta Garcia, na lembrança dos tempos de menino. No fim de semana, ganhava o tabuleiro de doces em troca dos carretos na feira.

Com mais idade, Garcia passou a produzir os cannoli (plural de cannolo, canudo em italiano). O comerciante rodou por vários locais da capital, como no ex-estádio da Portuguesa, Canindé (centro), além dos campos de futebol de várzea.

Até chegar em 1970 na famosa rua Javari, 117, outro patrimônio da Mooca: o campo do Clube Atlético Juventus. Ali, ficou e se popularizou tanto quanto o time do Moleque Travesso.

No próximo ano, Garcia completará meio século de venda dos cannoli somente no estádio da rua Javari. Uma marca assim como o "Juventus da Mooca, meu".

Dono de mecânica em frente ao campo, Joel Dias, 71 anos, diz que perdeu as contas de quantos cannoli comeu. "Só sei que igual ao dele não existe", afirma. 

O motorista de aplicativo Bryan Balbino, 23 anos, da Mooca, também quer provar. "A fila pra comprar estava enorme no último jogo que fui", conta. 

Canudo pode ser encontrado em bar no Carrão durante a semana

“O Clube Atlético Juventus foi quem abriu uma porta e sou muito grato. Eu tenho ali uma família”, afirma Antonio Pereira Garcia, de avental branco e boné do Moleque Travesso, sentado ao lado de mesa simples em que acomoda cerca de 150 cannoli na rua Manilha, no Carrão (zona leste), onde morou por quatro anos.

É no Carrão que seu Antonio vende os canudos recheados na semana. “Ele é uma pessoa exemplar e faz um cannolo irresistível”, diz Irani Freire Melo, 53 anos, dona da lanchonete Lages, que empresta a mesa para o doceiro famoso.

O metalúrgico aposentado Irineu Mazzini, 77, saiu do Tatuapé (zona leste) só para comprar os cannoli. “A dona Arlete [sua mulher] vai se fartar de comer”, brinca.

Fora os clientes fiéis lá do lado da Mooca, como a cozinheira aposentada Zulette Viola, 83 anos de vida e 10 de rua Javari, que recomenda o seu predileto. “Aquele de doce de leite, então”, diz. A irmã Maria Aparecida, 90 anos, aprova. 

Doce também é vendido em filial na rua

Os cannoli de seu Antonio, como seus clientes o chamam, ganharam outro ponto de venda na rua Javari, exatamente na frente do portão de madeira do estádio Conde Rodolfo Crespi.

Trata-se do Javari Streat Park, que reúne gastronomia de rua, bar e atrações musicais no espaço aberto com conceito de quintal.

Logo de cara, o visitante encontra o quiosque do canudinho italiano, vendido ali somente aos sábados e domingos. Os recheios são colocados na hora.

A local abre às 12h no fim de semana, mas por volta das 11h30 já costuma formar uma fila na porta do lado de fora, segundo o dono Renê Castro, 32 anos.

Em média, são vendidos cerca de 200 cannoli nos dois dias. O doce é assinado por seu Antonio, mas vendido por um funcionário no local. “Às vezes, o rapaz tem de convencer a pessoa que são os cannoli do seu Antonio, tamanha relação afetiva com seu cliente”, conta.

Até hoje, o doceiro resistiu à profissionalização da marca e mantém sua produção onde mora.

Iguaria já ganhou versões semelhantes da original

A gourmetização dos cannoli invadiu a Mooca, o bairro mais italiano de São Paulo. São vários pontos de venda, com gostos, recheios e preços diferentes.

Porém, uma espécie de pirataria do tradicional doce que ganhou fama com seu Antonio, no matrimônio perfeito com o Juventus, tem ocorrido entre alguns ambulantes e vendedores, o que preocupa Antonio Pereira Garcia. 

“Infelizmente, algumas pessoas usam o meu nome na hora da venda ou na participação em eventos. Ou é meu irmão, tio, sócio”, afirma Garcia, que é casado há 35 anos com a alagoana Fátima Souza Garcia, com quem divide a produção diária de sua iguaria.

E vai além: “O sol nasce para todos, mas cada um tem de conquistar o seu espaço. É só trabalhar com determinação e honestidade.” Seu Antonio avalia que a fabricação dos cannoli evoluiu bastante. “Mas é necessário que o respeito seja mantido. A gente pode ter o cannolo do Mário, do Pedro”.

“Um dia parou um moço aqui na rua Javari em que dizia ser o irmão do seu Antonio para vender os seus cannoli. O que não era verdade”, conta o gerente do Javari Streat Park, Edson Gama, 67 anos.

A marca original de seu Antônio esteve presente no tradicional jantar italiano do Clube Juventus em agosto, quando a presidência do clube encomendou 2.000 mini cannoli para a sobremesa. 

ONDE ENCONTRAR?

Mooca
Estádio Conde Rodolfo Crespi - Rua Javari, 117
Só em dias de jogos do time principal do Juventus
Javari Streat Park - Rua Javari, 112
Aos sábados e domingos, a partir das 12h

Carrão
Rua Manilha, ao lado da Lanchonete Lages, 22, e próximo ao Assaí Atacadista, 42
De terça-feira a sábado, após as 15h

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