Mundo da luta se despede do Mestre Roberto Leitão

Pioneiro na luta olímpica no Brasil, Leitão morreu por complicações pela Covid-19

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São Paulo

“Ninguém gosta mais de luta do que eu!”. A frase que era sempre proferida com muito orgulho e virou um mantra para Roberto Cláudio das Neves Leitão, o Mestre Leitão, agora deixa saudades. Grão-Mestre na luta livre esportiva e faixa preta no judô, Seu Leitão, como era carinhosamente conhecido, perdeu a batalha para a Covid-19, aos 83 anos, no sábado, 30 de novembro, mas deixa um enorme legado.

O mestre Roberto Leitão - Arquivo Pessoal

O principal deles foi para os tatames. O Mestre foi o responsável por, em 1979, criar a primeira Federação de Wrestling exclusiva do Brasil para a modalidade, que antes era apenas um setor dentro da Confederação Brasileira de Pugilismo, e conseguiu o reconhecimento da Federação Internacional de Lutas Associadas (FILA), atualmente United World Wrestling. A grande conquista veio oito anos depois pelas mãos de seu filho Roberto Leitão Filho, que alcançou a medalha de prata nos Jogos Pan-americanos de Indianapólis, nos Estados Unidos, em 1987, entregue pelo próprio Mestre.

“Meu pai desde antes de eu nascer já falava para a minha mãe que tendo um filho homem iria botar para lutar. Então desde criança fui jogado para o esporte e tive minha vida toda virada para o esporte. Com o exemplo e ajuda sempre. No início era ele contra todo mundo. Daí ele começou a fundar a parte federativa da luta olímpica, sendo pioneiro, tanto no Rio de Janeiro quanto no Brasil, e sempre com o intuito de alavancar a minha carreira de atleta. Acredito que eu fui a grande inspiração para ele fazer tudo que fez na luta. E vice-versa”, diz Roberto Leitão Filho, filho do Mestre e atual superintendente da Confederação Brasileira de Wrestling (CBW), em entrevista ao Agora.

O ano seguinte foi ainda mais especial: nos Jogos Olímpicos de Seul, na Coreia do Sul, em 1988, o primeiro brasileiro a representar o wrestling no torneio foi Roberto Leitão Filho, ao lado de Floriano Spiess. Na Olimpíada seguinte, em Barcelona, Espanha, em 1992, Filho foi o único brasileiro a competir na modalidade, se tornando o primeiro brasileiro a representar a Luta Olímpica duas vezes no Jogos Olímpicos. “Ele deixou um legado enorme, mudou a vida de muita gente. Esse legado e reconhecimento que são importantes”, comenta Filho.

Mas não só o filho, Mestre Leitão era uma pessoa generosa e aberta a transmitir seus ensinamentos a todos que o procurassem. Foi assim com grandes nomes da luta brasileira como Antoine Jaoude, Pedro Rizzo e Marco Ruas.

O mestre Roberto Leitão praticando luta livre esportiva, o submission, com o filho Roberto Leitão Filho - Arquivo Pessoal

“Conheci o Leitão há 36 anos, no primeiro vale-tudo que eu fiz em 1984. Ele tinha 47 anos e eu estava com 22 para 23 anos. Já tinha ouvido falar dele pelo Mestre Camisa, da capoeira, mas eu fiquei impressionado. Mesmo com 47 anos, ele tinha um vigor físico e uma técnica impressionante. Era acima da média. Um cara inteligente e que ensinava muito. A visão dele sobre a luta agarrada era impressionante. Eu nunca vi nem conheci ninguém ao longo de todos esses anos em que luto que, mesmo mais velho, lutava com garotos faixa preta, mais fortes, e ganhava”, relembra Marco Ruas, o "Rei das Ruas", campeão do UFC 7 e ex-aluno do Mestre.

Ao lado do filho, Seu Leitão ainda acompanhou e viu Antoine Jaoude quebrar uma ausência de 12 anos de um brasileiro na modalidade nos Jogos Olímpicos, desta vez em Atenas, Grécia, em 2004.

“O Mestre foi muito importante porque ele me conduziu desde os 13 anos de idade e ele sempre acreditou no meu talento. Entramos em um acordo que eu iria aplicar os métodos dele em competições oficiais. Assim consegui várias medalhas principalmente no submission”, diz Jaoude.

Mais do que participar de competições oficiais, o Mestre amava mesmo estar dentro dos tatames. Apesar da baixa estatura, Leitão era apreciado pelas técnicas refinadas e não se negava a ensinar um “rolinha”, como chamava os treinos ou demonstrações de chaves que aplicava.

“Ele tinha muita paciência e ensinava todo mundo. Era uma pessoa obcecada pela luta, nunca vi ninguém assim. Ele sabia conciliar a força com a técnica e usava a teoria do sistema de alavanca. Às vezes ele estava passando pela rua e via alguém na academia e já entrava para treinar. Ele andava com vários shorts para não ter como o cara correr do treino [risos]. Sempre gostou muito de treinar e tinha um gás que não acabava nunca”, resgata Pedro Rizzo, o “The Rock”, campeão do campeão do WVC (World Vale Tudo Championship) e que lutou pelo UFC.

O mestre Roberto Leitão foi uma das inspirações do lutador José Aldo - @mestreleitao no Instagram

Além de ser implacável nos tatames, Roberto Leitão era formado em engenharia com ênfase em biofísica e mestre em engenharia mecânica, e foi professor da PUC-RJ. Lecionar era uma de suas paixões, mas não a única.

“Foi dono de uma firma com mais de 500 funcionários, construiu muitas e muitas obras. Foi professor. Era pintor de quadros e fazia obras maravilhosas. Era poeta, inclusive vamos publicar um livro com as poesias dele em breve. Tocava todos os instrumentos possíveis e imagináveis, como o berimbau, escaleta, sanfona, acordeom, e até colher ele tocava. Tinha um ritmo impressionante”, diz Filho.

Os estudos do Mestre foram repassados para as gerações como no livro “Biomêcanica da Luta”, lançado em 2017, escrito por ele e por outros conselhos.

“Era um ser humano incrível e um cara que estava à frente de seu tempo. Ele sempre falava: ‘o homem para ser completo precisará trabalhar, estudar e lutar’. Essa é uma frase de Sócrates que ele gostava de repetir. São conselhos que levo para a parte da luta e filosofia de vida”, destaca Daniel Alvarez, o “Pirata”, treinador da seleção brasileira de luta olímpica.

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