Velha guarda de garçons serve a história na bandeja
Profissionais estão há décadas no mesmo emprego em restaurantes e padarias
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Quando chegou em São Paulo, Expedito Lopes de Oliveira tinha 19 anos. Ele veio de Iguatu, no interior do Ceará, em busca de trabalho. Sozinho na grande cidade, o primeiro emprego que encontrou foi de atendente numa padaria no centro.
Dois anos depois, foi promovido ao cargo de gerente na Docemar, onde trabalha desde então. “Lembro até a data: 22 de outubro de 1988”. Localizada na Bela Vista, um dos bairros mais tradicionais da capital, a padaria recebe todo tipo de cliente desde 1950.
Inaugurado na mesma época, o sexagenário Ita é famoso pela bacalhoada às sextas-feiras. “Teve uma vez, nos anos 1970, que num único dia vendemos 110 kg do peixe”, relembra Luís Nunes Pedro, 77 anos, um dos donos do restaurante.
Quando chegou ao Brasil, aos 16 anos, foi no Ita que o seu Luís conseguiu o seu primeiro trabalho. Desde então, não saiu mais de lá. “Amo muito o que faço aqui. Hoje, o restaurante é a minha vida”, disse o português, que ainda guarda o sotaque da terra natal.
Entre fregueses novos e antigos, ele avalia que a clientela está mais séria e apressada hoje. “Antes o pessoa vinha depois do trabalho e passava horas batendo papo aqui no balcão. É algo que faz falta no dia a dia de hoje”
O garçom Luiz Araújo, 74, chegou a São Paulo igualmente aos 16 anos, vindo de Catarena, também interior do Ceará. Há 47 anos trabalha na mesma casa de massas, o La Farina, na rua Aurora. Da profissão de garçom, construiu a vida na cidade.
Ele lembra com saudosismo das suas primeiras décadas na capital. Naquela época, ele diz, a cidade era mais viva e a região mais feliz. “Hoje a gente vê muita insegurança, muita pobreza. São Paulo não merece isso”.
Expedito pensa diferente. Aos 62 anos, percebe mudanças e permanências na região. “Vejo a chegada de moradores novos, mais jovens, de outras regiões da cidade e até de outros estados. Gente que traz novos ares”.
Da saudade de Beth Carvalho a estrogonofe de Sidney Magal
Localizado na região central de São Paulo, o tradicional La Farina já recebeu todo tipo de artista em suas mesas, conta Luiz Araújo. Atores de televisão, produtores de cinema e, principalmente, cantores e cantoras preenchem a memória do garçom.
“A noite na região do Ipiranga era muito movimentada. Quando esses artistas saíam de madrugada dos clubes e bares, vinham para o restaurante, que ficava a noite toda aberto”, diz.
Em 47 anos no La Farina, já serviu nomes como Nelson Golçalves, Waldick Soriano e Beth Carvalho, que morreu na semana passada e de quem lembra com saudade.
Alguns desses artistas frequentam o restaurante até hoje. “O Sidney Magal esteve aqui por esses dias. Pediu o de sempre: estrogonofe e duas cervejas Skol”, diz.
O garçom lembra até mesmo do prato favorito do homem que assassinou a mulher na década de 1980 e voltou lá, depois de 12 anos na cadeia. “Ele jantou aqui e uma hora depois me disseram que havia sido preso por matar a esposa. Quando saiu da prisão, veio comer lasanha, o mesmo prato daquela noite”, afirma.
O pudim sai das mãos do proprietário
Desde 2006, o português Luís Pedro é um dos proprietários do Ita, na região do largo do Paissandu. “Quando morreu um dos sócios, eu comprei a parte dele”, conta. Seu ritmo de trabalho, no entanto, não diminuiu.
O restaurante funciona de terça a sábado, mas o dono usa os dias de folga para preparar as sobremesas _é encarregado desde 1978. “Já passei por todo tipo de função aqui. Comecei lavando talheres, depois fui para o suco e para o balcão. Hoje faço as sobremesas e sirvo.”
A receita do pudim, um dos carros chefes da casa, foi herdada e aperfeiçoada por seu Luís _só depois de muitas intervenções é que ela ficou famosa. “Já calcularam para mim uma vez. Nestes 40 anos já devo ter feito umas 190 mil formas”.
Miguel Moreira Neto tem 40 anos de emprego
Rosbife, tomate, picles e queijo no pão francês. Esta é a receita clássica do bauru, um dos lanches mais populares servidos em São Paulo. No largo do Paissandu, onde foi criado, ainda é possível encontrar o sanduíche em sua forma original.
O Ponto Chic, lanchonete antiga do centro, oferece tradição para seus clientes. Nesse sentido, o garçom Miguel Moreira Neto, que trabalha lá há quase 40 anos, já faz parte da experiência.
“Sei de quase toda a história do restaurante. Depois de todo esse tempo, seria difícil não guardar”, brinca o garçom, de 64 anos.
Sua fama já é quase tão grande quanto a do lanche. Há duas semanas, disse Miguel, ele foi entrevistado por um repórter do Rio Grande do Norte. “Ele pediu um bauru numa padaria e deram pra ele um sanduíche de presunto e queijo. Então sentei e expliquei como é o bauru de verdade, que fazemos aqui”, afirma.
Depois de 40 anos no restaurante, o garçom já famoso entre a clientela. “Muita gente que vem aqui pede pra ser servido por mim”, conta com orgulho contido.