Conselhos Tutelares da capital paulista sofrem com falta de estrutura
Unidades têm problemas que vão de infiltrações a equipamentos velhos e privacidade reduzida
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As marcas da chuva presentes nas paredes e no teto de uma das unidades do conselho tutelar de Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, são algumas mostras do problema crônico no telhado, que há anos sofrem infiltrações sempre que chove.
O excesso de umidade fez com que uma das salas fosse interditada. Como a água atingiu o sistema elétrico, apagões tornaram-se frequentes e prejudicaram os poucos e antigos computadores da unidade.
No local as divisórias de compensado não conseguem oferecer privacidade durante os atendimentos. Mesmo com sol e calor as janelas das salas costumam ficar fechadas para evitar a entrada de ratos e outros animais peçonhentos, que se proliferam com facilidade na montanha de entulho e carcaças de carros que são acumuladas no lado de fora da unidade.
Em outra unidade do bairro, onde as condições estruturais são melhores, os pisos para deficientes visuais estão descolados, e algumas portas não fecham porque estão quebradas. Desde que foi entregue, há três anos, não houve manutenção. O prédio é alto e até mesmo uma troca de lâmpada torna-se um desafio. Da última vez que as lâmpadas da cozinha e de uma das salas de atendimento queimaram, a troca aconteceu após dois meses da solicitação.
Mas a precariedade nas estruturas dos conselhos tutelares não é exclusividade da Cidade Tiradentes, na capital paulista. A reportagem percorreu unidades em todas as regiões e encontrou problemas recorrentes, que incluem a estrutura física inadequada, falta de materiais básicos e recursos humanos.
Porta de entrada para a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes não conseguem oferecer nem o mínimo, que seria a privacidade do atendimento. No conselho tutelar da Sé, por exemplo, há uma única sala onde estão as mesas dos cinco conselheiros. Qualquer atendimento pode ser ouvido por todos, inclusive por pessoas que estejam esperando a vez na recepção.
O local possui apenas um banheiro, não adaptado, para ser utilizado por funcionários e usuários. Uma funcionária passa por lá para fazer a limpeza durante o período da manhã, o que não evita que o local permaneça em boas condições de uso o dia todo. No início de outubro a unidade precisou fechar durante uma semana por conta de um vazamento de esgoto.
Os móveis são antigos e insuficientes. O conselheiro tutelar Robério Nascimento Borges conta que recentemente a cadeira em que estava sentado quebrou e ele caiu enquanto realizava atendimento. Ele lembra ainda de outro episódio em que uma adolescente de 16 anos e seu bebê recém-nascido tiveram que esperar na pequena sala por oito horas até que conseguisse uma vaga em abrigo.
“A mãe não tinha condições de amamentar e a criança chorava muito. Ela ficou deitada nesses bancos”, contou.
Apesar de não ser uma atribuição formal dos conselhos tutelares, não é raro que uma criança ou adolescente tenha que permanecer na unidade por várias horas a espera de uma vaga em abrigo. Quando isso acontece, os conselheiros precisam improvisar tudo.
Na unidade da Lapa, a cama improvisada feita com um colchão doado e palets virou fixa. Em Cidades Tiradentes, já aconteceu das conselheiras irem à comunidade em busca de doações de roupas para atender crianças ou adolescentes que precisaram dormir no local a espera da vaga. Nessas ocasiões elas bancaram a compra de alimentos e fraldas, e trouxeram de casa as roupas de cama.
Uma reclamação quase unânime está relacionada à falta de funcionários que executem os trabalhos administrativos. Em unidades em que não há esse profissional os conselheiros precisam fazer de tudo: recepcionar as pessoas, atender telefone, responder e arquivar documentos. Essas tarefas acabam atrapalhando outras atividades mais complexas em cada comunidade.
Outro problema em comum foi a falta de selos, que tem prejudicado o envio de notificações via correio. “Não temos condições para fazer todas as notificações pessoalmente, por isso usamos o sistema de cartas registradas. Há vários meses estamos sem selos”, contou Isabel Veras, de Cidade Tiradentes.
A troca da frota realizada pela atual gestão foi outro problema coletivo. Os conselhos possuíam carros de modelos médio e grandes, como um Pálio Weekend e uma van. Com a recente substituição do contrato, eles agora têm a disposição um Mobi, veículo de tamanho compacto, considerado impróprio pelos profissionais.
“Não podemos infringir a lei e trazer crianças no colo. Se precisar ir resgatar uma família com quatro filhos, como faz? Mandam fazer várias viagens, mas e se for do outro lado da cidade?”, questionou Camila Barreto Vieira, conselheira do Sacomã. Apesar de ser uma das unidades mais estruturadas, ela conta que a situação só é esta devido a uma grande luta dos conselheiros desde a gestão passada.
Segundo ela, com os cortes de verbas em locação pela prefeitura de São Paulo, a equipe quase teve que deixar o imóvel, o que não aconteceu por uma concessão de desconto pelo proprietário. Mas não é só a unidade do Sacomã que foi colocada em risco por medidas do Executivo. A decisão de vender áreas públicas anunciada nesta semana pela prefeitura pode fechar as portas do conselho tutelar de Cidade Líder --a unidade está localizada numa das áreas colocadas à venda pela prefeitura.
Confusão nas eleições
As eleições para definir os novos mandatos dos conselheiros tutelares em São Paulo tiveram confusão e impugnação de votos. Os problemas foram registrados em três bairros da cidade: Pinheiros, Pirituba e Lajeado.
Após impugnar os resultados nesses locais, a comissão eleitoral reuniu-se e decidiu pela votação completa em apenas uma delas. A eleição em Pinheiros foi invalidada porque um dos mesários não compareceu num dos pontos de votação. Já em Pirituba e Lajeado houve conflito entre o número de candidatos nas urnas eletrônicas dos informados aos poder público.
A decisão foi revista no caso de Lajeado e Pinheiros, onde a votação só será feita em duas escolas onde houve atraso na abertura das urnas.
Ação no Ministério Público
Desde 2014 a falta de estrutura das sedes dos conselhos tutelares da capital paulista é alvo de uma ação civil pública, proposta pelo Ministério Público de São Paulo. Apesar disso, pouco mudou nesses nove anos.
De acordo com a promotoria, a Prefeitura de São Paulo teria de realizar inúmeras ações para melhorar as condições de infraestrutura desses espaços, assim como a criação e manutenção de recursos humanos permanentes para formação de equipes de apoio administrativos. Os promotores também pediram a criação de novos conselhos e a aplicação de uma multa de R$ 100 mil diário pelo descumprimento.
A ação foi considerada parcialmente procedente, e a Justiça determinou que a prefeitura atendesse as demandas dos conselhos tutelares, incluindo a manutenção de segurança, serviços de limpeza e transporte, além de oferecer os suprimentos de informática e as equipes de apoio administrativo.
“A análise dos autos demonstra, de maneira cabal, que diversos Conselhos Tutelares, bem como o Conselho Municipal dos Direitos das Crianças e Adolescentes encontram-se com estrutura física e humana extremamente precárias”, diz trecho da decisão judicial.
O município tentou recorrer do resultado, mas a Justiça o manteve em segunda instância. Houve, no entanto, uma redução da multa diária que deve ser aplicada pelo descumprimento, fixada em R$ 10 mil.
A gestão municipal voltou a recorrer do processo. No mês passado o Ministério Público pediu o cumprimento provisório da sentença. Com isso a prefeitura terá até o próximo mês de dezembro para realizar as adequações nas unidades do conselho tutelar, quando ficará sujeita às penalidades do processo.
Falta de estrutura prejudica atendimento, diz advogado
O advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Direitos e Humanos e especialista em direito da criança e do adolescente, afirma que a situação da falta de estrutura em conselhos tutelares é uma situação generalizada em São Paulo.
Para ele, o problema tem várias origens, entre elas, o fato dos conselhos terem papel de fiscalização do Poder Público. “Não é interessante para a prefeitura garantir uma estrutura adequada, porque quanto mais estruturada estiver, mais os conselheiros farão requisições e questionarão a falta de serviços.”
Alves explica que é preciso ter condições mínimas de trabalho nesses locais, que vão do espaço físico aos equipamentos. O advogado também considera indispensável a presença de funcionários que façam a parte administrativa. “Quando um conselheiro não cumpre adequadamente suas funções ele pode responder processo. E às vezes não está no trabalho dele, mas na falta de estrutura disponível.”
De acordo com o especialista, os conselhos devem ter uma brinquedoteca e um local adequado para receber as crianças e os adolescentes, além de salas para atendimentos individualizados. “Não adianta ter biombos. Às vezes todo mundo ouve o atendimento de uma família. Esses casos, por lei, são sigilosos. A criança não pode ser constrangida com essa exposição”, explicou.
Resposta
A Secretaria Municipal das Subprefeituras afirmou que as administrações regionais responsáveis pelos conselhos visitados pela reportagem realizarão vistoria para tomar as providências necessárias.
Segundo a prefeitura, são disponibilizados aos conselhos tutelares imóveis próprios ou alocados que permitam o correto desempenho de suas funções, incluso despesas com aluguel, água, eletricidade, internet e telefonia; contratos de limpeza e conservação predial e vigilância patrimonial desarmada; veículo com motorista de uso exclusivo, para uso diário e plantão noturno; um computador por conselheiro tutelar, mais um por funcionário administrativo locado.
A prefeitura informou ainda que novos servidores estão sendo convocados pelas subprefeituras para trabalharem em cargos administrativos dos conselhos, após um grande número de servidores terem se aposentado.
Segundo a gestão Covas, foi incluído na proposta orçamentária para 2020, que ainda será votada na Câmara, a previsão necessária para a realização de construções, reformas e manutenções prediais.
“No processo de melhorias dos conselhos em 2019, foram contratados 63 veículos para uso dos 52 conselhos da capital, que também foram equipados com cinco computadores em cada uma das unidades. Após cinco anos de uso, os carros doados pelo Governo Federal apresentaram diversos problemas e, com isso, o custo com a manutenção e abastecimento duplicou no último ano. É importante afirmar também que os 52 conselhos tutelares estão com o devido respaldo de um veículo com motorista”, explicou.
ZONA LESTE
Tiradentes 1
Av. Dr. Guilherme de Abreu Sodré, 906-1026 - Conj. Res. Prestes Maia
Tel: 2964-6674
Estrutura inadequada. Tem vazamentos no telhado. As salas não tem isolamento acústico. Funciona na mesma área do setor de infraestrutura da subprefeitura e apresenta acumulo de entulho e carcaças de carros antigos no terreno. Faltam computadores. É comum a presença de ratos.
Tiradentes 2
Rua Arroio Triunfo, 120
Tel: 2282-3940
Estrutura boa. Tem salas individuais e banheiros com acessibilidade. O mobiliário é antigo e faltam alguns itens. O piso para deficiente visual está solto e tem fechaduras de algumas portas quebradas.
ZONA OESTE
Lapa
R. Guaicurus, 1000 - Sala 16 - Água Branca
Tel: 3864-1167
Estrutura inadequada. As duas salas utilizadas pelo conselho ficam na subprefeitura da Lapa. Não há salas individuais para atendimento. Faltam arquivos para organizar a documentação. Não há funcionários administrativos.
ZONA SUL
Sacomã
Rua Maria Oliano Gerassi, 258 - Vila Moinho Velho
Tel: 2061-2010
Estrutura adequada. O espaço é amplo e está em boas condições. Há salas individuais para atendimento, banheiros acessíveis e brinquedoteca. A unidade apresenta déficit de funcionários da área administrativa.
ZONA NORTE
Brasilândia
Rua Professor Andrioli, 92 - Parque São Luís
Estrutura adequada. A casa é alugada e está em boas condições. Possui recepção e portões altos que reforçam a segurança. Há brinquedoteca e salas individuais para os atendimentos.
CENTRO
Sé
Praça da República, 150 – República
Tel: 3259-9282
Estrutura inadequada. A unidade conta apenas com uma única sala, sem qualquer privacidade no atendimento. Só há um banheiro, que não possui acessibilidade. Há problemas no forro e a falta de mobiliário.