Exigência de leitos de UTI Covid expõe falta de médico e equipe
Entidades dizem que mão de obra é desafio na ampliação das vagas de leitos para terapia intensiva
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A recente explosão de aberturas de leitos de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) por todo o país escancarou um problema que vinha antes mesmo da pandemia de Covid-19: o de falta de pessoal especializado para atuar nessas unidades de alta complexidade.
Nem mesmo as principais entidades de saúde do país conseguem afirmar com precisão o déficit do mercado ante a essa explosão da demanda nas UTIs.
“Como você não tem especialistas em todos os postos de trabalho, precisa trabalhar com os médicos que conseguiu recrutar”, diz o médico Marcelo Moock, da Comissão de Ética e Defesa do Exercício Profissional da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira).
Um estudo do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) de maio de 2020 indicou que a demanda, à época, era de 17 mil profissionais. “Não temos como dimensionar esse déficit de pessoal. Nós estamos num momento nunca antes vivido pela humanidade. É um momento de guerra. Tudo que está sendo feito é para dar assistência”, afirmou Sandra Valesca Fava, coordenadora da Câmara Técnica de Fiscalização do Cofen.
Pelas regras da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), o número de profissionais que precisam estar dentro de uma UTI, por turno, é de no mínimo sete: médico intensivista, médico plantonista, enfermeiro, fisioterapeuta, técnico de enfermagem, auxiliar administrativo e uma pessoa que fará a limpeza.
Em março, o secretário estadual de Saúde, Jean Gorinchteyn, afirmou que o estado não tinha fôlego para abrir leitos no mesmo ritmo em que têm crescido as internações. “Quando eu falo em aumentar o número de leitos, não é simplesmente um colchão, uma cama e um respirador. Além disso, há a equipe que vai dar assistência a esse paciente. Por isso, eu não abro um leito de um dia para o outro”, disse.
Procurada, a Anvisa disse que o assunto caberia ao Ministério da Saúde. A pasta, assim como as secretarias municipal e estadual de Saúde de São Paulo, não responderam aos pedidos de informações.
Profissionais devem se atualizar sobre normas e rotinas técnicas
O documento que detalha como deve ser o funcionamento de uma UTI no país é a RDC (Resolução da Diretoria Colegiada) de número 7 de 2010.
Segundo a resolução, as equipes que atuam na UTI devem, obrigatoriamente, participar de um programa de educação continuada, que venha a contemplar, no mínimo, normas e rotinas técnicas, prevenção e controle de infecções, gerenciamento de riscos dos pacientes e incorporação de novas tecnologias. Ela prevê que, ao serem admitidos na UTI, esses profissionais devem receber capacitação.
Segundo a médica intensivista Flávia Ribeiro Machado, professora da Unifesp, atualmente muitos médicos que apenas faziam plantões em UTI hoje estão sendo preparados para ficar mais tempo auxiliando as equipes. Com isso, profissionais de outras especialidades são absorvidos.
“O que precisamos é capacitar esses outros profissionais que tenham uma mínima experiência em UTI e dar a eles um treinamento rápido, de modo a deixar o intensivista na coordenação e preparar os demais para realizar as condutas”, afirmou.
Consultoria vê explodir as contratações
Especialista em recrutamento e seleção de profissionais de saúde, a Luandre, uma consultoria em recursos humanos, viu quadruplicar a demanda por profissionais especializados para ocupar vagas de UTI.
Dados da empresa indicam que de março de 2019 a fevereiro de 2020, foram efetivadas 575 contratações, número que saltou para 2.387 de março de 2020 até fevereiro último, todas para o setor privado.
Um dos motivos, segundo a superintendente de RH da consultoria, Gabriela Mative é o afrouxamento das exigências dos processos seletivos. “Houve uma diminuição da rigidez nos processos de seleção. As provas técnicas, em que antes o crivo era 8, por exemplo, têm um crivo de nota 6 hoje. Justamente porque faltam profissionais de saúde”, afirma a consultora.
A comprovação de experiência também reduziu de dois anos para 6 meses, segundo a especialista. Entretanto, a média de remuneração se mantém.
Intensivista estuda dez anos para ser especialista
Se uma UTI (Unidade de Terapia Intensiva) fosse um time de futebol, certamente o técnico seria o médico intensivista. São necessários no mínimo dez anos de estudos e passar por duas rigorosas provas –que podem demorar um ano ou mais– para obter o título de especialista em medicina intensiva e assim estar habilitado para atuar como coordenador de uma UTI.
“A prova é composta por duas fases. Na primeira, um pente fino elimina normalmente metade dos candidatos, e na segunda o profissional deve demonstrar algumas habilidades específicas”, afirmou o médico intensivista Marcelo Moock, integrante da comissão de Ética e Defesa do Exercício Profissional da Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira).
Diferentemente de demais especialidades, tais como clínica médica; anestesiologia; cirurgia e neurologia; em que a residência é única, para um médico se candidatar a ser um especialista intensivista ele precisa fazer uma residência adicional onde passará a maior parte dos dois anos de sua duração dentro de uma UTI.
O rigor se dá pelas difíceis decisões. Cabe ao médico intensivista analisar a condição clínica do paciente para determinar se ele precisa orientar condutas rapidamente, que chegam até mesmo à intubação.
Número de leitos quase dobrou
Dados do governo federal indicam que de dezembro de 2019 a abril de 2020, o número de leitos de UTI existentes em todo o país passou de 46 mil para 60 mil, numa evolução de 31%. Atualmente esse número chega a quase 87 mil, num salto de quase 90%.
Ao menos 32% desse total (27,7 mil) está sendo destinado exclusivamente para Covid-19, segundo dados mais recentes disponíveis no Cnes (Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde).
Conheça uma UTI
O que é uma UTI?
- Por definição, são espaços dotados de equipamentos de alta complexidade para manter a vida de pacientes de gravidade extrema e risco de morte
Quais profissionais deve ter?
- médico intensivista com título de especialista em medicina intensiva. - pode cuidar de até 10 leitos por turno;
- médico plantonista – pode cuidar de até 10 leitos por turno;
- enfermeiro – cuida de no máximo 8 leitos por turno;
- fisioterapeuta – cuida de até 10 leitos por turno;
- técnico em enfermagem – mínimo de 1 para cada dois leitos;
- auxiliar administrativo – 1 exclusivo da unidade;
- funcionário de limpeza – 1 por turno
Como deve ser um leito de UTI
1 - cama com grades laterais
- Impede que o paciente, caso venha a se agitar, caia e fique ferido
2 – monitor beira leito
- É o conjunto de equipamentos para monitorar os sinais vitais do paciente, aferindo saturação de oxigênio no sangue, ritmo cardíaco, pressão arterial, temperatura, entre outros
3 – bomba de alimentação enteral
- Oferece alimentação ao paciente com controle de temperatura, fluxo e volume
4 – ventilador mecânico
- Oferece suporte respiratório. Pode ser usado com máscaras especiais
5 – diprifusor
- Administra a dosagem de medicamentos por infusão (na veia) para anestesia e sedação
6 – régua de oxigênio
- Pode oferecer ar comprimido, vácuo e oxigênio conforme a necessidade do paciente
7 – estativa
- Organiza os equipamentos e geralmente é móvel
8 – bombas de infusão
- Suporte para soros e demais medicamentos aplicados no paciente
9 – desfibrilador
- Usado quando há alguma irregularidade no ritmo cardíaco do paciente e também para tentar evitar parada cardiorrespiratória
10 – equipamento de diálise
- Substitui a função dos rins que podem estar comprometidos por substâncias tóxicas. Nele, o sangue do paciente passa por tubos e é filtrado
Fonte: Resoluções de 7 de fevereiro de 2010 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), e 2.271 de 14 de fevereiro de 2020 do CFM (Conselho Federal de Medicina) e Amib (Associação de Medicina Intensiva Brasileira)