Especialistas procuram causas para ataques de tubarões em Ubatuba

Associação de chuvas constantes, falta de saneamento universal e crescimento de ocupação humana são hipóteses

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São Paulo

​Os recentes ataques de tubarões na cidade de Ubatuba, um dos principais destinos do litoral norte paulista, alarmaram turistas. Por outro lado, a presença dos animais não pegou de surpresa os especialistas no assunto.

O motivo é um só: de norte a sul, a costa brasileira é repleta de tubarões.

Perna de um turista francês após ser atacado por um tubarão, no último dia 3 de novembro, na praia do Lamberto, em Ubatuba, litoral norte de São Paulo - Divulgação/instituto Agronauta

"Existem milhares de tubarões nos Estados Unidos, Portugal e Brasil. Nós simplesmente não os vemos. A verdade é que eles não têm o menor interesse pelas pessoas. Eu diria que esses ataques foram fruto de azar puro. As pessoas estavam no local errado e na hora errada", afirma João Correia, 49 anos, doutor em pesca comercial de tubarões e professor da Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar, na cidade de Penis, em Portugal.

O primeiro ataque ocorreu no dia 3, na praia do Lamberto. Um turista francês de 59 anos sofreu cortes na perna enquanto nadava.

No último dia 14, uma idosa de 79 anos foi atacada enquanto se banhava Praia Grande. Quem confirmou se tratar de um tubarão foi o professor Otto Bismarck Gadig, da Unesp (Universidade Estadual Paulista), por meio de um laudo emitido a pedido do Instituto Argonautas.

O que intriga os especialistas é o motivo pelo qual os tubarões podem estar mais próximos da costa. Neste caso, sobram hipóteses e faltam certezas.

Para Hugo Gallo Neto, oceanólogo, presidente do Instituto Argonauta e diretor do Aquário de Ubatuba, algumas questões podem propiciar a aparição desses animais mais para próximo da areia. Uma delas é a questão do aumento do afluxo de pessoas atraídas pelos novos empreendimentos e, na esteira disso, a ausência de saneamento universal. Outro fator são condições climáticas, já que as águas ficaram turvas devido as chuvas na região.

"Os investimentos dos órgãos de saneamento não acompanham a demanda e a cada ano temos mais praias impróprias", diz. Em relação ao esgoto, existem estudos científicos que comprovam que é um dos fatores que atraem tubarões", afirma.

Segundo Gallo Neto, dos 31 dias do mês de outubro, choveu em 23 deles, o que pode ter deixado a água fria e turva. "Isso independente de estar relacionado ao aquecimento global", afirma.

"São hipóteses. A única coisa que se pode dizer com segurança é que acidentes com tubarões são estatisticamente maiores em função do maior número de pessoas na água. Os tubarões já vivem lá. Nós é que estamos cada vez mais invadindo seu habitat", afirma o professor Gadig.

Para o oceanógrafo Rodrigo Cordeiro Mazzoleni, que coordena o grupo de estudos em tubarões no Brasil, urina e fezes atraem tanto os tubarões quanto o sangue. "Em relação a turbidez da água, ela em si não atrai necessariamente os bichos, mas faz com que ele utilize seus outros órgãos de sentido que não a visão. Neste caso pode haver confusão por parte do animal", afirma.

Aparições de baleias mais do que dobram

A maior presença de espécies marinhas na costa norte paulista é confirmada por Júlio Cardoso, criador do projeto Baleia a Vista. Sua especialidade não são os tubarões, porém, os especialistas não descartam haver ligação.

Nesta quinta-feira (26) ele afirma que foram avistadas jubartes dentro do canal de São Sebastiao/Ilhabela, também no litoral norte, em frente a praia de Barequeçaba. Geralmente elas ficam na região até agosto ou, no máximo, até setembro.

"Isso é inédito e pode ser parte de um fenômeno causado por algum fator oceanográfico ou climático diferente. Temos que investigar mais", afirma.

"Isso indica que algo diferente esta realmente ocorrendo este ano. Estas baleias já deveriam estar na Antártica", diz.

Baleia jubarte avistada no litoral norte paulista; projeto já flagrou mais de 130 aparições neste ano, o dobro de 2020 - Julio Cardoso/Projeto Baleia a Vista

Desde a juventude Cardoso gostava de navegar. Em 2002, ao participar de um torneio de pesca oceânica, ele e a tripulação avistaram uma baleia azul.

Depois dessa experiência ele deixou os arpões de lado e se armou de câmeras fotográficas para fazer registro dos animais. O primeiro registro oficial foi em 2004, em Ilhabela. Não parou mais e já acumula centenas de registros.

O trabalho no mar desenvolvido por esse ex-executivo de grandes multinacionais virou referência entre acadêmicos, que buscam nas imagens captadas por ele subsídios para as suas pesquisas.

Com a experiência de quem já fez mais de 700 registros, Cardoso afirma que vem percebendo mudanças. "O que tem acontecido ultimamente, e este ano foi um ano atípico, é que houve um aumento na aparição delas", afirma.

Segundo seus cálculos, em 2019, foram avistadas 67, número que passou para 62 em 2020. Neste 2021, já são mais de 130, mais do que o dobro de 2020.

"Estamos constatando aumento ano a ano. Porém, neste ano foi atípico", afirmou.

Outro fator que chamou a sua atenção foi o fato de que a temporada neste ano ter começado mais cedo e terminado mais tarde do que o usual. Geralmente, a temporada em que é possível avistar as baleias e os golfinhos vai de maio a setembro. "Já em abril conseguimos avistar algumas e até o mês passado [outubro] também", afirmou.

Elas também estão mais próximas da costa, segundo análise do navegante. "A poluição pode estar afetando de alguma maneira. Se você tem poluição, atrai mais cardumes de peixes e esses bichos [baleias] vêm atrás deles para se alimentar", afirma.

Prefeita diz que ninguém viu ataque

Em um vídeo publicado em suas redes sociais no dia 22 deste mês, a prefeita de Ubatuba, Flávia Pascoal (PL), negou que os ataques de tubarões tivessem acontecido nas praias da cidade.

"Temos que colocar isso às claras para que isso não venha a prejudicar a vinda de turistas para Ubatuba. Ninguém viu", fala, durante a gravação.

Desde a última terça-feira (23), a reportagem tenta, sem sucesso, contato com a prefeita por intermédio de sua assessoria de imprensa.

"Ela está igual ao prefeito do filme tubarão. Os ataques acontecendo e ele dizendo que não havia nada", afirma o oceanógrafo Rodrigo Cordeiro Mazzoleni, que coordena o grupo de estudos em tubarões no Brasil.

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