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No tempo em que Don-Don jogava no Andarahy, explicou Nei Lopes, nossa vida era mais simples de viver. Não tinha tanto miserê, não tinha tanto tititi.
Malandro esticava o cabelo, mulher fazia mise-en-plis. Barbosa Lima Sobrinho e Roberto Marinho eram boys na ABI. Motorista era chofer, cachaça era parati.
Se o leitor não conhece o samba “Tempo de Don-Don”, vale a pesquisa. Você pode até entrar na onda do partido alto e improvisar os próprios versos: basta recordar algo que não existe mais e rimar com “i”. A taça do tri? O medo de enfrentar o Guarani? Fique à vontade.
Será, no mínimo, uma distração recordar o tempo de Don-Don, zagueiro do pequeno Andarahy na década de 30. Mesmo que o período não tenha sido tão doce quanto sugere a música, uma onda de saudosismo não há de ser ruim em uma semana de notícias péssimas.
Só entre a última sexta e a última quarta-feira (parei a conta aí, porque é impossível acompanhar o ritmo da matança oficial fluminense), foram 15 pessoas mortas em operações policiais no Rio de Janeiro. Até um bebê foi baleado, provavelmente porque oferecia perigo e precisava ser alvejado.
Dondon, como era chamado Dyogo, de 16 anos, estava saindo de Niterói para treinar pelo time sub-17 do America-RJ, em Mesquita. Carregava um par de chuteiras na mochila e morreu com um tiro nas costas.
Seu avô, motorista de ônibus, parou o veículo ao encontrar o corpo do neto. Ouviu de um PM: “Era traficante”. Não era.
Quando a meta é exterminar, jogador sub-17 vira traficante. Se você mora em uma favela e usa guarda-chuva, pode ser morto porque o policial, coitado, confundiu o objeto com um fuzil. Não é uma formulação criativa. Já aconteceu.
Como a polícia parece matar pouco, o ministro da Justiça quer liberá-la para matar mais, sem punição, desde que o assassino oficial esteja “sob violenta emoção”. Dá mesmo saudade do tempo de Don-Don, o do Andarahy. O tempo de Dondon, o do America-RJ, acabou.