Conteúdo restrito a assinantes e cadastrados
Você atingiu o limite de
5 reportagens
5 reportagens
por mês.
Tenha acesso ilimitado: Assine ou Já é assinante? Faça login
Lamartine Babo compôs os hinos dos quatro grandes clubes cariocas e também os de vários pequenos. “Uma vez Flamengo” é o verso mais facilmente reconhecível, ainda que a música-símbolo do America seja provavelmente a mais aclamada.
Nenhuma emociona tanto quanto a do Fluminense. Lamartine dedicou ao time de Cartola uma canção em tom menor, preferiu o lírico ao épico que costuma acompanhar o gênero.
Assim, em vez de narrar de maneira grandiloquente suas conquistas –algo apropriado, por exemplo, a uma equipe chamada Vasco da Gama–, o Fluminense faz, baixinho, uma declaração de si para si. Não importa berrar aos outros; importa sentir: “O Fluminense me domina, eu tenho amor”.
Lamartine também compôs famosas marchinhas, até hoje sucesso em festas de Carnaval. Algumas delas, como “O Teu Cabelo Não Nega”, no entanto, já não podem ser repetidas sem alguma reflexão.
Não é possível cantar agora, sem perceber o absurdo, que o contato com a melanina só vale a pena por não haver risco de contágio: “Como a cor não pega, mulata, mulata, eu quero o teu amor”.
Isso não significa que Lamartine deva ser apagado ou que sua obra tenha perdido o valor. Significa apenas que, felizmente, absurdos outrora considerados normais passaram ao menos a ser questionados.
É tempo de contestar absurdos, não de normalizá-los.
Não é necessário que um sujeito se fantasie de nazista para você perceber que ele é um. Se ele fala, por exemplo, que os filhos dele jamais se apaixonariam por uma negra “porque foram muito bem educados”, precisa falar mais alguma coisa?
Não caia no clichê de que “o mundo está chato”. Chato ele estava para a negra que precisava sorrir ao ouvir: “O teu cabelo não nega”. Chato está para o judeu que de repente se viu quilombola. Chato está também para o corinthiano ou palmeirense gay que se sente obrigado a gritar “bicha” nos jogos contra o São Paulo.
Talvez o mundo esteja mesmo chato, embora não seja plano. Há nuances. Dá para questionar Lamartine sem deixar de admirá-lo nem deixar de perceber a beleza que há em rimas maravilhosas como “nos Fla-Flus, é o Ai, Jesus”.