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O último Carnaval é hoje uma memória antiga, espectral, uma lembrança em preto e branco no momento cinza que atravessamos. Ao mesmo tempo, a grande imagem daquela festa é revivida a cada dia.
É difícil não recordar, a cada João Pedro, o Cristo negro da Mangueira. A figura do jovem do morro, representado com o corpo cravejado de balas, ressurge tristemente, dia após dia.
Um exame de confronto balístico apontaria que os projéteis alegóricos alojados no Jesus da Gente verde-e-rosa eram bem similares aos que mataram João, de 14 anos. Por uma dessas coincidências fantásticas, o furo nas costas do menino —isso, nas costas— era de 5,66 mm, exatamente o calibre do fuzil de um dos agentes na desastrada —ou exitosa— operação policial em São Gonçalo.
Não é exclusividade do Rio de Janeiro, nem mesmo do Brasil. A violência racial policial também é praxe nos Estados Unidos, outro país que viveu séculos de regime escravista.
Houve lá nesta semana um caso macabro, ainda que não inédito. Um policial branco, com um negro rendido por supostamente ter usado uma nota falsa de 20 dólares, ficou ajoelhado por mais de cinco minutos no pescoço da vítima até que ela morresse, tentando avisar: “Eu não consigo respirar”.
Nos Estados Unidos, como aqui, há vidas que parecem valer mais do que outras. Lá, como cá, os principais atletas profissionais são negros. Mas lá, bem diferentemente do que ocorre aqui, esses atletas tentam usar sua voz.
Jogadores como LeBron James se manifestaram de maneira veemente. Ele e vários outros se mostraram enojados e comemoraram quando finalmente Derek Chauvin foi preso pelo assassinato de George Floyd.
Cá, o caso João Pedro já está tão velho quanto o Carnaval e os policiais continuam trabalhando. Foram assassinados muitos outros jovens negros, cravejados como o Cristo da Mangueira. Mas está tudo certo na bolha de parças dos nossos craques.