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Babando de bom humor e resmungando de prazer masoquista ao não encontrar uma posição confortável na cadeira, Alemão, ironicamente tratado na ficha como “paciente”, aguarda, em jejum, a sua bendita vez.
Enquanto saliva de ansiedade esperando pelo vale-café pós-exame incluso nos quatro dígitos pagos ao convênio e vibra luz aos donos do laboratório, ele, que há 43 anos não perdoa a sua mãe pelo nome duplo, é chamado. Com 48 minutos de atraso: “senhor Vitor Maurício”.
Alemão caminha. Zen. E percebe que a biomédica Lígia tem um humor “saraivano” 100% compatível ao seu: “Vitor Mau”... “Eu”, rosna, sem disfarçar a sua simpatia padrão Fifa.
“O senhor operou a cervical em 2016?”, questiona, com um sorriso insuportável, atestando que Alemão respondeu, previamente, três páginas de questionário de idiota! 18 minutos fazendo xizinhos à toa. “Sim, você leu minhas repostas”, devolve o sorrisinho sarcástico.
Com aquela cara de “ah, vá”, no “sim” dele está embutido a revolta de quem sabe que a mina vai perguntar tudo de novo e vai fazer a ressonância magnética de qualquer jeito. E, se der B.O., ele até já assinou que se responsabiliza e deixou o zap da mulher para agilizar o IML.
Corinthiano, Alemão não aprendeu que não se grita gol antes. Mas festeja o “sim” atravessado como se o 1 a 1 na casa da adversária fosse definitivo. Ah, que bobo. Após ouvir que o paciente estava cuidando da cervical “médio, naquele esquema ‘vai, Corinthians’, né”, Lígia, imperativa, ordena com tom doce, cínico, de quem finge pedir: “senhor, tira a roupa, o sapa...o calçado e coloca o avental sobre a cueca no vestiário”.
Surrado pela camisa de força, Alemão volta 18 minutos depois. “Não, senhor, a abertura é pra frente.” Bem que ele tinha achado bizarro aquela coisa parecendo essas cangas que as minas usam pra tapar o biquíni no SESC e na Guarapiranga.
Voltou. “Não, senhor. Desculpa [risos intermináveis], é de vestir, tipo camiseta, põe o bracinho... Não, não, tá errado [818 horas de risos]. Deixa que eu amarro.”
Disciplinado e descoordenado, Alemão concede. Os 20 minutos da ressonância viram 41 porque é impossível não engolir saliva nem se mexer na maca.
Avental tirado com espantosa destreza, berma, chinelo e camiseta vestidos, Alemão se despede: “tô liberado?”
“Sim. Vai, Corinthians”.
Machado de Assis: “Lágrimas não são argumentos”.