Cigarro eletrônico é uma moda proibida, misteriosa e fatal
Pneumologista diz que substâncias provocam lesão nos pulmões que médicos ainda estudam
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Basta um olhar mais atento a alguns jovens que andam em São Paulo e você verá uma espessa fumaça branca e sem cheiro. Não, eles não estão fumando cigarro. Nem entorpecentes. A moda são os cigarros eletrônicos ou vaporizadores.
Diferentemente do cigarro comum, que libera as substâncias tóxicas por meio da combustão, o eletrônico usa a nicotina líquida, que se transforma em vapor ao ser tragada. Além dela, ele aceita outras substâncias, também líquidas, que ajudam a conduzir a nicotina até o pulmão.
Apesar de a comercialização, a propaganda e a importação do dispositivo serem proibidas no país desde 2009, é possível encontrar o dispositivo à venda na internet a partir de R$ 200.
Segundo especialistas, o maior problema é não saber a origem dessas substâncias nem o quanto cada um consome. Por isso, ainda não é possível saber quais males que essas substâncias, sozinhas ou combinadas entre si, provocam nos usuários.
Segundo Stella Regina Martins, da Divisão de Pneumologia do Incor (Instituto do Coração), o que se sabe é que essas substâncias, mesmo que em quantidades menores se comparadas ao cigarro comum, provocam uma lesão nos pulmões que os médicos ainda estão estudando.
Recém-batizada de "evali" (vem de uma sigla em inglês), a lesão pulmonar associada ao uso de cigarro eletrônico já levou para o hospital ao menos 2.000 jovens somente neste ano nos EUA, sendo que mais de 30 deles morreram, segundo especialistas.
Os casos da doença são investigados pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, que chegaram a publicar, no mês passado, um guia online sobre os riscos do uso do cigarro eletrônico. Nele, sugerem aos fumantes procurar a ajuda de tratamentos baseados em evidências.
"É uma epidemia nova e complexa que estamos aprendendo a lidar com o que está acontecendo nos Estados Unidos", afirma Stella, ao lembrar que o principal desafio é a falta de controle do uso e da venda.
Falta de controle aumenta os riscos de usar produto
Os primeiros cigarros eletrônicos começaram a ser desenvolvidos em 2003, na China. De lá para cá, outras tecnologias surgiram para atrair novos usuários, principalmente os mais jovens.
Justamente pelo fato de o cigarro eletrônico ser um produto novo, os especialistas ainda não sabem exatamente os riscos que ele leva ao organismo. "No cigarro comum são mais de 4.700 substâncias químicas presentes, sendo 60 delas cancerígenas. No eletrônico, ainda não sabemos, pois nele é possível colocar diferentes tipos de substâncias e em quantidades não controladas", afirma Silvia Cury Ismael, gerente de psicologia do HCor (Hospital do Coração).
O pneumologista Luiz Fernando Pereira, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, explica que essas substâncias líquidas, por serem vaporizadas, transformam-se em um material particulado muito fino, que penetra com mais eficácia nas vias aéreas, chegando mais rápido ao pulmão. "Alguns desses cigarros têm mais nicotina que o comum. O mais agravante é que seu uso vai criar novos dependentes em nicotina", afirma o médico.
Indústria do tabaco quer debater a segurança
Fabricantes de cigarro defendem a necessidade de que haja uma discussão sobre produtos para adultos fumantes que queiram uma alternativa.
Em nota, a Philip Morris Brasil ressalta que já existem produtos com tecnologia que não envolvem a combustão, como o cigarro comum, o que a fabricante afirma ser uma alternativa para adultos fumantes continuarem consumindo produtos de tabaco. A fabricante citou o produto de tabaco aquecido por meio de um dispositivo eletrônico.
Como a comercialização de cigarros eletrônicos é proibida no Brasil desde 2009, a Philip Morris Brasil defende um debate sobre novas tecnologias e as diferenças entre os produtos existentes.
Já a Souza Cruz lembrou que o mercado ilegal de cigarros eletrônicos no Brasil é uma realidade, onde é possível comprar os dispositivos pela internet e em centros de comércio popular. A empresa defende a regulamentação de produtos eletrônicos para garantir a segurança de quem usa esses dispositivos.
Mesmo assim, especialistas alertam para os riscos do cigarro eletrônico.
Tosse e falta de ar podem ser sintomas da doença
As consequências do uso prolongado do cigarro eletrônico ainda dependem do tempo para serem descobertas. Mas especialistas dizem que a curto prazo as substâncias inaladas pelo dispositivo podem provocar desde uma bronquite a uma lesão grave nos pulmões, doença que os pesquisadores chamam de evali.
Os sintomas da nova doença são conhecidos, como tosse, falta de ar incapacitante e dor no peito, o que pode ser confundido com outras enfermidades.
O que define o diagnóstico é o fato de esses sintomas estarem associados ao uso frequente de cigarro eletrônico.
Segundo a especialista em dependência química Stella Regina Martins, do Incor, já foram diagnosticados casos de evali na Argentina, no Canadá, na Inglaterra e nos EUA, onde ao menos 18 já morreram em decorrência disso. No Brasil, diz ela, é uma questão de tempo para o diagnóstico.
"Dois colegas médicos já comentaram terem visto casos de jovens com lesão grave no pulmão, mas ainda não foi diagnosticado como evali. Os casos estão pipocando e será uma questão de tempo para acontecer no Brasil o que está acontecendo nos EUA, com muitos jovens internados", afirma.
Segundo a médica, ainda não é possível definir como é a lesão no pulmão, pois cada uma é de um jeito. Porém, em vítimas dos EUA, exames mostraram que o dano no pulmão era semelhante ao de uma vítima de incêndio que inalou muita fumaça. "Por isso, o tratamento depende da evolução do quadro do paciente", afirma Stella.
Possível causa de mortes é identificada
Reportagem publicada neste sábado (9) no jornal The Washington Post diz que as autoridades de saúde dos Estados Unidos identificaram o acetato de vitamina E nos fluidos pulmonares de 29 pessoas que adoeceram ou morreram com lesões relacionadas ao uso de cigarros eletrônicos. Segundo o jornal, o óleo é apontado como provável responsável pela epidemia que atingiu mais de 2.000 pessoas e matou pelo menos 39, segundo dados mais atuais.