Em 10 anos, lei faz vício em cigarro se tornar fora de moda

Transtornos gerados pela lei antifumo provocaram mudanças de comportamento de fumantes

A lei pegou! Dez anos depois, garçons e demais funcionários de bares, restaurantes e casas noturnas respiram aliviados, literalmente. Os clientes não precisam mais se preocupar com a saúde de seus pulmões. Os proprietários comemoram a volta dos clientes. E os fumantes... Bem, os que ainda persistem no vício estão cada vez mais renegados. Pior! Estão ficando fora de moda.

Fumantes em frente a prédio da rua João Brícola, no centro de São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress

A lei antifumo, cuja implementação no estado completa dez anos no próximo dia 7 e que proíbe fumar em ambientes fechados de uso coletivo, contribuiu para uma significativa mudança de comportamento dos fumantes paulistas. 

“Não tem mais graça, se tornou ‘demodê’“, afirmou Ângelo Aguinaldo Picolo, 59 anos, e fumante desde os 16. 

Ele participa desde o começo de junho de um grupo do programa antibagismo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). A saúde foi a menor de suas preocupações ao decidir largar o cigarro. “O sentido de fumar acabou. Aquilo que te dava prazer agora não dá mais. Então chegou a hora de parar”, disse Picolo, explicação que ilustra bem como “funciona” a relação de um tabagista com o cigarro atualmente.

Ex-agente de apoio sócio-educativo da Fundação Casa, antiga Febem, Picolo relembra dos transtornos causados pela lei antifumo. “Antigamente, eu fumava dentro da unidade e os meninos internos também fumavam. Fazia parte da rotina. Depois da lei, tinha de sair do prédio e procurar um espaço aberto para fumar. O problema é que tinha de largar o trabalho para isso”, afirmou.

Ângelo Picolo, que tenta largar o cigarro - Ronny Santos/Folhapress

Os transtornos aos fumantes são bem visíveis em frente aos prédios do centro de São Paulo, onde os grupos formam rodinha para fumar. O assistente operacional Ulisses Buriti, 43 anos, por exemplo, desce do 22º andar de um prédio no vale do Anhangabaú ao menos quatro vezes ao dia para saciar o vício. “Nem fumo muito, mas trabalho com pessoas que você percebe a alteração de humor se passa muito tempo sem fumar.”

Números

Desde 2009, o Centro de Vigilância Sanitária da secretaria realizou cerca de 2 milhões de inspeções e 4.600 mil autuações em todo o estado para quem é flagrando fumando em local público fechado. O valor da multa é de R$ 1.326,50, e dobra em caso de reincidência. 

Na capital paulista, em 2009, 18,8% dos 11 milhões de paulistanos eram fumantes; ou seja, por volta de 2 milhões de pessoas. Já em 2017, o percentual caiu para 14,2%, cerca de 1,7 milhão de pessoas de uma população estimada em 12,2 milhões.

A lei antifumo evitou em 17 meses, a partir de sua implementação, em agosto de 2009, ao menos 799 mortes, sendo 571 delas por infarto e outras 228 por AVC (Acidente Vascular Cerebral), segundo a Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo. 

Fumantes que procuram programa antitabagismo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e tentam abandonar o vício - Ronny Santos/Folhapress

Largar o vício já era uma tendência antes da lei, segundo José Jardim, pneumologista, coordenador do programa de antibagismo da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). 
Segundo o Ministério da Saúde, nos anos 1989 e 1990, 32% da população brasileira era de fumantes. Em 2012, baixou para 15%. Projeção feita em 2014 pelo órgão era de que este índice atingisse 10% da população em 2022. “Mas em 2019, caiu para 9,3%”, afirmou Jardim.

Disputa

Em suas primeiras versões, a lei antifumo opôs donos de estabelecimentos comerciais, como bares, restaurantes e casas noturnas, a seus funcionários, como garçons, atendentes e outros. Inclusive com a participação direta dos sindicatos patronal, a Abrasel, e o dos trabalhadores da categoria, o Sinthoresp.

Por parte dos proprietários, o temor na queda da frequência e, obviamente, dos lucros. Pelos funcionários, a preocupação com a saúde em primeiro lugar. Dez anos depois, com a lei consolidada, todos comemoram.

“A cada lei, era uma novidade. Primeiro, tinha que dividir o espaço. Depois, o fumódromo isolado. Tudo sem discussão, sem segurança jurídica para os empresários, responsáveis por fiscalizar os clientes. Hoje, a situação está apaziguada e todos entendem a importância da lei”, afirmou Percival Maricato, presidente da Abrasel. “Desde o primeiro momento, abraçamos a lei em nome da saúde dos trabalhadores”, relembra Rubens Silva, secretário-geral do Sinthoresp.

Mas os garçons ainda reclamam da postura de alguns fumantes. “Melhorou muito, mas mesmo na área externa não se preocupam para onde vai a fumaça. Fumante é mal educado”, crava Wilson Ferreira, garçom do Bar Veloso. 

Dificuldade

Mesmo depois dos dez anos de constrangimentos por conta da lei antifumo, alguns fumantes ainda tentam burlar a proibição de fumar em lugares fechados para dar uma tragadinha, segundo Cristina Megid, que desde 2006 é diretora do Centro de Vigilância Sanitária da Secretaria Estadual de Saúde.

“Ainda há tentativas de fumar em algum espaço mais escondido. O dono do estabelecimento geralmente fala que não viu ou que não está muito cheio. Mas não tem jeito, não escapa da multa”, disse. 
Em 2019, o órgão já recebeu 275 denúncias de violação da lei. Em seus seis primeiros meses, foram 9.000 denúncias. “Essa é a nossa preocupação agora, de manter o status de que está consolidada, como a do cinto de segurança”, afirmou.

Gerentes de bares e restaurantes confirmam que tem sempre um que tenta passar despercebido. “O cara estava fumando um cigarro eletrônico na área externa, mas debaixo do toldo. Tive de pedir para ele sair”, disse José Marques Gilliardi, gerente do tradicional Bar Brahma, no centro.

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