PMs paulistas vão utilizar câmeras nos coletes para monitorar ações

Policial que não gravar ocorrências pode até ser expulso da corporação; testes começam na cidade de São Paulo em 1º de agosto

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São Paulo

A partir do próximo dia 1º de agosto, 2.000 policiais militares de três batalhões da cidade de São Paulo — (11º e 13º, no centro) e 37º (na zona sul)— vão revezar o uso de 500 câmeras acopladas no uniforme para que as ações dos agentes possam ser gravadas com áudio e vídeos.

A meta, segundo a PM, é equipar todo o efetivo estadual com cerca de 15 mil câmeras, até 2023. A novidade chega no momento em que policiais militares mais mataram em serviço. No primeiro trimestre de 2020, foram 218 mortos em supostos confrontos com PMs (leia mais abaixo). Além disso, casos de violência policial durante abordagens ganharam repercussão nos últimos meses.

O equipamento será ligado pelos próprios policiais, sempre que forem acionados para atender uma ocorrência, diz o coronel Robson Cabanas Duque, gerente do projeto de câmeras operacionais portáteis.

Caso um PM não acione o equipamento, ele pode ser punido administrativamente, afastado das ruas ou até mesmo ser expulso, de acordo com o oficial.

“Vai acontecer [de policiais não ligarem a câmera]. Isso não me preocupa, pois a PM é extremamente pesada com a disciplina”, afirma.

Policial Miliar mostra câmera acoplada em seu colete. A partir de 1 de agosto, 500 equipamentos serão distribuídos a três batalhões da cidade de São Paulo - Ronny Santos/ Folhapress

As câmeras serão mantidas nos coletes à prova de balas e terão autonomia de 11 horas em cada uma das duas baterias levadas pelos agentes.

As gravações, diz o coronel, precisam ser iniciadas em ocorrências erradiadas pela central de comunicação da PM e, também, nas não programadas, como acidentes, ou quando o PM é alvo de algum eventual criminoso.

As 500 câmeras à prova d´água, desenvolvidas exclusivamente para a PM, foram doadas pela norte-americana Motorola, que assinou contrato com a Polícia Militar paulista após de chamamento público.

A empresa também vai estruturar todo o projeto e sistema exigidos pela polícia.
Para equipar todo o estado, a compra será por licitação e deverá envolver outros fabricantes.

Nesta fase, por causa da escala de serviço, 2.000 policiais utilizarão as câmeras, em horários alternados. Alguns agentes já usam os equipamentos, em caráter de teste.

“Criamos um grupo que, a partir de duas teses de doutorado, desenvolveu uma especificação técnica extremamente rigorosa e complexa para atender a demanda”, diz o coronel.

Segundo o oficial, para evitar fraudes, nenhum policial consegue editar o material, transmiti-lo para outros equipamentos, ou mesmo apagá-lo da “nuvem”, onde os registros permanecerão por um ano.

Entretanto, as imagens só são armazenadas quando o policial voltar ao batalhão e colocar o equipamento para carregar bateria.

Toda ação feita nas câmeras acopladas nos coletes, que funcionam como um smartphone, são monitoradas —como localização do policial, nível da bateria da câmera e quando ela é ligada e desligada.

​O coronel afirma que a PM paulista realizou reuniões presenciais, e por vídeo chamadas, com as polícias dos Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, para trocar informações sobre o uso de câmeras por agentes que trabalham nas ruas.

O oficial chegou a ir até Nova York, onde se reuniu com policiais da cidade, no ano passado. "Constatamos que nosso projeto está bom e trocamos experiências com os policiais de lá, para evitar falhas em nosso sistema", afirma.

Segundo o Departamento de Polícia de Nova York, atualmente cerca de 20 mil câmeras são usadas por agentes na cidade. A primeira fase do projeto começou em 2017, mesmo ano em que a PM paulista deu início ao seu. Já em Londres, de acordo com a Polícia Metropolitana, são 22 mil equipamentos utilizados por policiais nas ruas da capital inglesa.

O coronel Robson Cabanas Duque, gerente do projeto de câmeras operacionais portáteis da Polícia Militar de São Paulo - Ronny Santos/ Folhapress

Em ambas as cidades, também são os próprios policiais que ligam os equipamentos, quando iniciam o atendimento a uma ocorrência, segundo o coronel da PM paulista.

Câmeras vão blindar policiais, diz especialista

Elisandro Lotin Souza, presidente do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, diz que câmeras servem “para blindar” o policial militar.

“O registro em vídeo ajuda em sua defesa [do policial] e dá o direito de resposta ao agente e segurança à sociedade contra eventuais abusos [policiais]”, diz.

Souza, que é PM há quase 30 anos em Santa Catarina, diz que as câmeras, apesar de inibirem ações dos agentes e de pessoas abordadas por eles, não resolvem a violência policial.

“A polícia brasileira, de forma geral desde sua origem, protege o estado e não a sociedade. Ela precisa evoluir e, isso, é um processo que deve ser constante.”

O especialista em direito penal Rogério Cury afirma que, a partir do momento em que as câmeras começarem a ser usadas, elas ajudarão a dar mais clareza as ações dos policiais.

“Este equipamento vem a somar, desde que usado de acordo com todos os trâmites legais”, afirma.

Equipamentos são usados há quase um ano no Sul

A PM de Santa Catarina dispõe atualmente de 2.420 câmeras, usadas por agentes em todo o estado. O projeto, desenvolvido em parceria com o Tribunal de Justiça catarinense, começou em 22 de julho do ano passado, com custo de R$ 3,5 milhões.

Segundo a corporação, até esta quinta-feira (16), 1,2 milhão de vídeos haviam sido gravados por policiais, que resultaram em 153.776 horas de gravação.

Da mesma forma que em São Paulo, as imagens podem ajudar na apuração de denúncias contra policiais — provando a culpa ou inocência dos agentes.

Em 14 de setembro do ano passado, um PM de Jaraguá do Sul, região norte do estado, foi gravemente ferido após abordar um motorista supostamente embriagado. O suspeito, em depoimento, teria alegado que reagiu a uma suposta abordagem violenta feita pelos policiais.

Porém, o agente ferido usava uma câmera acoplada em seu colete, que gravou o momento em que o motorista reage à abordagem, inclusive quando ele chuta a cabeça do policial, já caído no chão. O registro foi anexado ao processo do caso, pois demonstrava uma ação diferente da relatada pelo suspeito.

O motorista foi condenado a 9 anos de prisão, em regime fechado, em 19 de maio deste ano, por tentativa de homicídio triplamente qualificada. A defesa dele não foi encontrada até a publicação desta reportagem.

Dispositivo surge na fase mais letal

A utilização de câmeras ocorre no ano em que Policiais Militares mais mataram em serviço no estado. Entre janeiro e março, 218 pessoas morreram em supostos confrontos com PMs, média de 2,3 ao dia.
Este é o maior registro desde 2001, quando a Secretaria da Segurança Pública, da gestão João Doria (PSDB), iniciou a contagem.

O uso de câmeras também poderá ajudar a inibir ações violentas de policiais, ou até auxiliar em sua defesa, como na de um soldado que pisou no pescoço de uma mulher no mês de maio, em Paraisópolis (extremo sul da capital).

A comerciante de 51 anos, que foi arrastada no asfalto, conforme mostram imagens feitas por celular, teve uma das pernas fraturada.

O policial militar, assim como os outros agentes que participaram da ocorrência, foi afastado dos serviços de rua. Ele disse que foi ameaçado com uma barra de ferro e um cabo de rodo.

No primeiro semestre deste ano, segundo a SSP, 125 policiais foram presos no estado, sendo que 86,4% deles são militares. No período, 96 agentes foram demitidos e expulsos, sendo que 91,6% eram PMs.

Resposta

Sobre as prisões e expulsões de policiais, mencionadas nesta reportagem, a SSP (Secretaria da Segurança Pública), gestão (PSDB), afirmou "não ter compromisso com o erro ", além de "não compactuar com desvios de conduta" de seus policiais.

"As corregedorias das polícias Civil e Militar têm um processo de depuração interna forte, que assegura a qualidade de seus serviços à sociedade", diz trecho de nota.

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