Futebol ajuda a resgatar memórias perdidas com o mal de Alzheimer
Projeto do Hospital das Clínicas em parceria com o Museu do Futebol abriu oportunidades aos idosos
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Quando as lembranças vão embora, o que ajuda a resgatá-las são as emoções vividas no passado. Para minimizar o sofrimento causado pelo Alzheimer, médicos do Hospital das Clínicas e o Museu do Futebol da capital paulista decidiram unir a ciência e a paixão pelo esporte no projeto Revivendo Memórias.
O projeto surgiu no ano passado, inspirado por uma ideia similar implantada pelo Museu do Futebol da Escócia, descoberta pelo pesquisador Carlos Chechetti.
O coronavírus deu uma pausa nos encontros presenciais, mas abriu a oportunidade para que outros idosos, mesmo aqueles que não foram acometidos pela doença, participem das conversas de casa, pela internet. O sucesso fez com que os idealizadores já tenham decidido manter esse formato mesmo depois que a pandemia for embora.
"A gente pensou 'por que não continuar com as visitas, mas a distância, online?' Se não souberem usar a internet, a gente ensina, pela inclusão digital. Ampliamos para idosos em geral", afirma Iale Cardoso, coordenadora do Núcleo Educativo do Museu do Futebol.
As conversas são agendadas, ocorrem semanalmente e duram entre 40 minutos e uma hora. O futebol é o fio condutor, mas o papo vai além da bola rolando e envereda por outros temas que são do agrado da pessoa.
"Uma coisa bacana é que a gente começou a fazer hangouts [conversas coletivas, online] em família. Todo mundo vai se vendo, matando a saudade e falando do acervo por meio de fotografias e vídeos", diz Iale.
O museu também passou a procurar entidades que tivessem interesse em participar do projeto. Foi assim que os idosos da Casa de Repouso Vovó Lena, de Mogi das Cruzes (Grande São Paulo), entraram na jogada. "Eles ficam bem animados. Mesmo aqueles que têm Alzheimer. Sobre futebol, eles não esquecem nada", diz a enfermeira Ábia Araújo Gomes, 40 anos.
O aposentado Manuel Sanches Cores, 69, vive o estágio inicial do Alzheimer e é dos mais empolgados com o projeto. Torcedor do Corinthians, lembra de quando Flávio e Paulo Borges, "que veio do Bangu", fizeram os dois gols que quebraram o tabu de 11 anos sem vitória sobre o Santos de Pelé, em 1969.
Também é fã de Sócrates e deseja encontrar Basílio e Biro-Biro um dia. "Muita coisa que não sabia, eu fiquei sabendo. E tenho saudade de tudo", disse.
Projeto trouxe a alegria de volta para o vovô Gilberto, aos 90 anos
Foi em um teste de um projeto do Hospital das Clínicas para encontrar "super-idosos" que a oficial de Justiça Patrícia Aparecida Rocco, 53 anos, percebeu que o marido demonstrava sinais de Alzheimer. Seleiro, sapateiro, seresteiro e poeta ao longa da vida, Gilberto Gaspar, 90, driblava a doença até então.
Mantinha vivas na cabeça as poesias que escrevia. Lembrava também das letras das músicas que cantava nos palcos. Mas não dos nomes de objetos que havia acabado de ver. "Eu me assustei com as respostas, mas a minha ficha não caiu. Achei que ele estava de brincadeira", diz Patrícia.
Até cantar no X-Factor Brasil, de 2016, "vovô Gilberto", como ficou conhecido, já havia cantado. Mas o Alzheimer o deixou triste.
Então ele foi indicado para participar do Revivendo Memórias. São-paulino, Gilberto nem ligava para futebol. Mas nas conversas semanais encontrou um novo palco. "Isso é muito importante para mim.
Esse reconhecimento das pessoas pelo meu trabalho", diz. Também fez rebrotar a alegria na sua mulher, chamada por ele de "Musa X". Agora, renovado, já se aventura no Facebook, Instagram e canal no Youtube, onde apresenta sua arte.
Aposentada entra no grupo para se manter ativa durante pandemia
A aposentada Benedita da Conceição de Carvalho Silva, 89 anos, nem acompanha mais futebol. "Só não gosto que o Corinthians perca. Aí, eu fico chateada", diz Benedita.
A simpatia pelo Timão vem do tempo em que ouvia os jogos pelo rádio para contar o resultado ao marido, que não tinha como assistir às partidas durante o trabalho na Estrada de Ferro Sorocabana, em Santo Anastácio (591 km de SP).
A reconexão de Benedita com o futebol veio neste ano, por meio do filho, que buscou no Revivendo Memórias em Casa uma forma de manter a mãe ativa durante a quarentena. Diferentemente de outros participantes, ela não tem Alzheimer. "Sempre gostei de assistir palestras, ir a museu, teatro, cinema e à Sala São Paulo", conta.
O bate-papo com o pessoal do Museu do Futebol supre essa necessidade. "A forma como dirigem a conversa é muito rica. Depois de um bom papo, uma delas sempre fala que vai fazer uma brincadeira, um jogo."
A proximidade com quem está do outro lado da tela faz com que tenha vontade de conhecê-los pessoalmente, após a pandemia. "Eles se tornaram tão familiares. É uma coisa tão bonita."
Doentes precisam de estímulo
O neurologista Leonel Takada, um dos responsáveis pelo Revivendo Memórias, afirma que é perceptível o quanto a interação tem feito bem aos pacientes com Alzheimer, embora o projeto não seja pesquisa científica.
"Uma maneira de oferecer uma atenção a essas pessoas", afirma o médico.
Takada diz que, mesmo pela internet, a participação é positiva. "Claro que não é igual a interação face a face, mas é possível, sim. Os idosos têm se adaptado relativamente bem e rápido."
O neurologista explica que pessoas com Alzheimer ou perda de memória precisam ser estimuladas. "O que acontece na maior parte dos casos é que ficam isoladas, só com família e pessoas mais próximas.
A gente sabe que isolamento social tem efeitos negativos", conta. "O futebol tem uma importância muito grande para muitas pessoas. A gente aproveita essa particularidade e tenta usar essas memórias de fatos antigos como estímulo cognitivo. Parece que tem sido uma boa maneira de fazer tudo isso", diz o médico.
Takada, ele próprio, nunca gostou de futebol, mas criou outra relação com esse esporte. "É muito interessante ver pacientes fora do ambiente do hospital, porque tira o aspecto das coisas pesadas."
Saiba mais sobre o projeto
Como agendar:
- agendamento@museudofutebol.org.br
- (11) 99113-0226 (segunda a sexta, das 9h às 12h
Conversas:
- De terça a sexta das 10h às 11h e das 15 às 16h
- Terças e quintas, atendimentos individuais
- Quartas e sextas, em casas de repouso e entidades sociais