A PM afastou 104 policiais por dia, em média, entre abril e novembro do ano passado, por causa do coronavírus. Os números obtidos com exclusividade pela reportagem, via Lei de Acesso à Informação, mostram que foram 24.741 afastamentos entre 1º de abril e 23 de novembro.

A curva de contaminação na tropa traz junho como destaque negativo, quando a PM chegou a conceder 198 afastamentos por dia, em média (foram 5.941 casos). Vale ressaltar que cada policial afastado pode ficar semanas longe do trabalho.Na prática, é como se três em cada dez (30,1%) integrantes da corporação tivessem ficado fora de serviço por causa da Covid-19 até novembro.

O efetivo é de cerca de 82 mil agentes.O percentual de agentes afastados é maior do que a média em toda a capital paulista. Segundo inquérito sorológico divulgado em outubro, 13,6% dos paulistanos já havia tido contato com o vírus.Nas vezes em que foi questionada sobre o tema, a Secretaria Estadual da Segurança Pública, sob a gestão João Doria (PSDB), apontava percentuais que englobavam as três polícias (também Civil e Técnico-Científica) e dão conta apenas de quantos policiais estão afastados naquele único dia, simultaneamente --não o total ao longo do tempo.

Na última quinta-feira (7), por exemplo, 2,5% estavam fora de serviço. Já foram 52 mortes por causa do coronavírus nas três polícias, mostram os dados oficiais.Com efetivo bem menor que a PM, as polícias Civil e Técnico-Científica tiveram 1.321 afastamentos entre abril e outubro.

Na última semana, a reportagem constatou, por exemplo, que não havia álcool em gel na área de atendimento das delegacias do 15º DP (Itaim Bibi), zona oeste, e 47º DP (Capão Redondo), zona sul.O infectologista Hélio Bacha diz que pessoas que são obrigadas a se expor por causa de seu trabalho também deveriam ser priorizadas na vacinação. Segundo ele, uma eventual contaminação em massa na PM seria algo preocupante. "Pode levar ao colapso um serviço essencial. A vacina é uma forma de proteção", afirma.


Falta respaldo, afirmam os representantes

Representantes dos policiais reclamam da falta de respaldo. O senador Major Olímpio (PSL) diz que baixos salários obrigam PMs a fazerem o "bico oficial", aumentando a exposição ao vírus. Segundo Olímpio, só há álcool em gel e máscaras porque empresas privadas têm feito doações.

O senador também critica a falta de apoio para que os PMs façam valer a proibição a aglomerações. "Ele não pode evacuar as ruas e acaba submetido à escala da morte", afirma.Presidente da Adpesp (Associação dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo), Gustavo Mesquita Galvão Bueno afirma que a Polícia Civil tem déficit de 14 mil profissionais e que, com os afastamentos, a situação piora. Também pede prioridade no momento da vacinação. "A gente está na linha de frente, sem apoio e punidos por medidas legislativas, como a que congelou salários", diz.

Subtenente ficou 22 dias internada

A subtenente Magda Carvalhal Franco, 53 anos, já está na reserva, mas teve que voltar em dezembro ao Hospital da Polícia Militar (zona norte), onde trabalhou como enfermeira no passado. Ela ficou internada no local por 22 dias por causa do novo coronavírus.

"O que me segurou realmente foi a fé e o apoio do hospital militar. Não consigo nem descrever o tanto que ajudam a gente", diz.Enquanto esteve internada, a subtenente perdeu a mãe, de 83 anos, por causa da Covid-19. A doença já havia levado o irmão dela, um sargento também da reserva da PM, de 56 anos, em maio. "Fora as sequelas físicas, acho que as sequelas emocionais também são devastadoras", conta Magda.

"Teve uma fase da doença que me colocou muito para baixo. Ouvia que a UTI estava lotada, mas não tenho nem condição de dizer se estava ou não", afirma.A policial diz que os colegas da ativa estão expostos a muitos perigos na pandemia, como ao entrar em bailes funk e aglomerações no comércio, e que não podem menosprezar os riscos. "Não desacreditem. Todo cuidado é pouco. Pensem na família", diz. "Você pode ficar bem, mas não sabe o que vai acontecer com a família depois", completa.

Receio do vírus e negacionismo dividem policiais

Em ruas de comércio popular de SP, policiais militares se dividem entre o receio e o negacionismo em relação ao coronavírus.Na região da 25 de Março (centro), um dos policiais disse que fica exposto ao vírus por não ter como se distanciar da multidão. Criticou a falta de máscaras e álcool em gel na corporação, o que foi relativizado por um colega ao lado, e lamentou a falta de solidariedade dos comerciantes. "A gente pede até torneira para lavar as mãos e muita gente olha de cara feia", diz.

O largo da Concórdia, no Brás (região central), é um formigueiro humano. Os policiais são parte da multidão e dizem que não só ali há risco de contágio. "Se passa 12 horas dentro da viatura com um colega, você também pode pegar [o coronavírus]", afirmou uma PM, que, entre tantos, teve uma companheira de corporação, grávida, infectada.

Uma soldado que fazia patrulhamento na rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros (zona oeste), disse que acordou sem olfato numa manhã de setembro. Fez o teste, que deu positivo. Sem sintomas graves, ficou 15 dias isolada em casa. "Paisano [população civil] acha que tudo é uma festa, mas não é, não", afirmou. Nem só entre paisanos há quem menospreze o vírus. Colega dela em Pinheiros diz não confiar em vacina, que a imprensa exagera e há problemas mais sérios. "Quanta gente não morre de fome? Vai parar tudo?".


'Era meu companheiro e também meu amigo', diz viúva de sargento

Um casal unido tanto pelo trabalho quanto pelo amor aos dois filhos pequenos teve que se despedir no meio do ano passado por causa do coronavírus. Ambos sargentos da PM, ela, 38 anos, e ele, 47, morto por causa do coronavírus."Ele era um homem dedicado tanto à profissão quanto à família. Eu o amava muito, era meu companheiro e também meu amigo. Meu parceiro", afirma.A sargento conta que a evolução da Covid-19 se deu ao longo de junho e não deu chance para a recuperação. "É para acreditar.

A doença acomete qualquer tipo de pessoa. Meu marido não estava no grupo de risco, não tinha comorbidade nenhuma", diz a policial.Ela explica que os dois temiam o contágio e se resguardavam com máscara e álcool em gel por causa dos filhos, uma menina de 3 anos e um menino de 1 ano e 3 meses. "Mas a gente tem contato com o público, com todas as pessoas.

Uma hora ou outra iria acontecer", diz.Durante a internação, o casal conversava pelo aplicativo WhatsApp e torcia pela alta hospitalar. A despedida se deu dois dias antes da morte. "Quando ele foi intubado, o médico me chamou. Permitiu que eu ficasse com ele por 30 minutos", conta a sargento.


Polícias dizem que dão apoio

A Polícia Militar afirma que desde janeiro de 2020 adotou medidas para proteger os policiais militares como "prioridade absoluta". Reserva de vagas em grande quantidade no Hospital da PM, compra de equipamentos médicos, de proteção individual e para higienização e aquisição de testes suficientes para toda a corporação estão entre as ações realizadas.

A PM diz também que o risco de infecção em jornadas extraordinárias é o mesmo que no trabalho regular.As polícias Civil e Técnico-Científica também afirmam que se preparam com aquisição de equipamentos de proteção e apoio médico aos seus integrantes, além da adoção de medidas preventivas. Sobre as delegacias citadas, a Civil diz que todas as unidades estão equipadas com material e orientadas a preservar o distanciamento social, recomendação que será reforçada.