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Soco no ar. Gesto puro, honesto. Cartão-postal do Brasil de Pelé que percorreu o redondo planeta bola. Comemoração explosiva. Soco no ar que sempre sucedeu gestos lindos, artísticos, objetivos, precisos. Assinatura final do genial artista. Está no placar, carimbado. Dialética poética. História, memória. Mixórdia, inglória.
Soco no ar. Gesto roto, funesto. Cartão-postal do Brasil que vibrou ódio neste e no outro plano. Comemoração sinistra, canalhice plena. Soco no ar que sucedeu uma morte, que sucedeu várias mortes. Assinatura da ignomínia, da crueldade, do mal. Mais um CPF cancelado. Tosco, patético.
Morreu por engano também uma promessa da base do América. América, de quem parcela cega de ódio só se deixa inspirar pelo belicismo, pelo amor à guerra. Cadê a outra parte, direito de ir e vir, liberdade?
O Brasil que já ouviu falar que o Santos de Pelé ajudou a salvar vidas africanas ao parar uma guerra. Salvamento que não escolheu lado. Vidas, todas elas, que valem tanto quanto a dos índios, dos pobres, das Marielles, dos quilombolas, que valem como todas as vidas.
Queimadas, arquivos queimados, sonhos roubados.
Jogadas, anos dourados, sonhos realizados.
Pelé virou rei. E ganhou placa após o mágico gol que batizou o "gol de placa" contra o Fluminense. Pintura desenhada no Maracanã, seguida com o tradicional soco no ar.
Candidato virou governador fluminense apoiando quebra de placa. Simbólica placa que questionava a autoria de um assassinato de uma vereadora preta, pobre e bissexual. Mesmo político que comemorou a morte na ponte com pulo e soco no ar.
Crise, desemprego, canalhice, perdeu-se completamente o limite. À barbárie, um convite. Parcela sádica da sociedade é convidada VIP.
O Brasil de Pelé involuiu. No campo. Infelizmente. Não só nele. Fora dele, progressivo pranto. Quem aplaude morte bate palma e faz coro também para racismo, homofobia, misoginia. Nos anos de chumbo, ame-o ou deixe-o, viva o país do tricampeonato mundial. Agora, ficar ao lado da civilização é "mimimi". Repete a claque de araque.
O Brasil real, cada dia mais surreal, acabou até com o simbolismo do soco no ar. É o fim.
Guimarães Rosa: "O trágico não vem a conta-gotas".