Descrição de chapéu Opinião

A bola é um detalhe: Uma só verdade

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São Paulo

Vivemos a era da autoverdade, tão bem descrita pela jornalista Eliane Brum. Se a verdade passou a ser uma escolha pessoal, não há necessidade de basear sua visão em fatos. Basta gritar como única possibilidade a sua verdade, e ela o libertará.

Você pode dizer que a Terra é plana, por exemplo, no momento em que usa o sistema GPS para se locomover pela cidade. Ou enquanto, no tradicional jogo de guerra War, desafia a lógica chata do tabuleiro para atacar Vladivostoque, via Alasca.

Pode também negar o aquecimento global (espera, global?), mesmo que todas as evidências científicas apontem o contrário.

Alasca e Vladivostoque, tão distantes e tão próximos no tabuleiro de War - Divulgação

Você pode dizer ainda que é cristão defender a tortura ou deixar claro: antes filho morto do que filho gay. Nora negra? Não, seus filhos foram muito bem educados. Estuprar uma mulher? Só se ela merecer.

A lista é infinita. Sair de casa durante uma pandemia para dar aquela força ao dono bilionário da hamburgueria chique? Vamos lá! A verdade é que ele também precisa ganhar o pão.

Por que parar aí? Isto não é um site de um jornal. É uma girafa. É minha verdade, ninguém pode questionar.

Felizmente, ainda há quem tenha noção do ridículo. É o caso do amigo Seu Luiz, que, aos 72 anos, evita tentativas desastradas de embaixadinha ou de flexão de braço.

Não que lhe falte um respeitável histórico de atleta. Nos tempos áureos de quarto-zagueiro, nos anos 80, ele ajudou o Cruzeirinho do Tatuapé, tradicional clube da várzea paulistana, a acumular 58 partidas seguidas de invencibilidade.

Luizinho posa com Seu Luiz, de quem herdou o nome e a quarta zaga do Cruzeirinho - Rivaldo Gomes - 10.jun.18/Folhapress

Mas, se eu for falar do Seu Luiz, hoje eu não vou terminar. O ex-beque e atual cartola do Cruzeirinho é daqueles raros seres de luz, que iluminam o que está ao redor, tornam tudo mais bonito.

Todos querem ficar perto, e nem o coronavírus resistiu. A companheira dele também foi pega, e o casal passou dias difíceis na UTI.

O pior, boto fé, já passou. Recordaremos este sufoco como uma gripezinha, tenho certeza, Seu Luiz. Será a única verdade.

Marcos Guedes

33 anos, é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e, como o homenageado deste espaço, Nelson Rodrigues, acha que há muito mais no jogo do que a bola, "um ínfimo, um ridículo detalhe". E-mail: marcos.guedes@grupofolha.com.br

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