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A bola é um detalhe: Alguns tons de verde

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São Paulo

Cyro José Bessi fez tanto o trajeto Vila Romana-Morumbi para assistir a jogos do Corinthians que sua Brasília amarela passou a ganhar tratamento VIP. Em um prédio perto do estádio do Morumbi, o porteiro amigo lhe dava a letra: “O fulano do apartamento tal está viajando, pode parar na vaga dele sem erro”.

No duelo decisivo do Campeonato Paulista de 1984, a Brasília tinha lugar garantido; o motorista, não. Sem ingresso para acompanhar a partida entre os seus, Cyro teve de se infiltrar na torcida do Santos, o que quase custou muito caro.

Quando Serginho Chulapa marcou o gol do título santista, só um espectador não comemorou em determinado setor do Morumbi. Cobrado, saiu-se com a explicação que lhe veio à cabeça para evitar agressões: “Estou aqui porque gosto muito de futebol, mas, na verdade, sou palmeirense”.

Não bastasse a derrota, o corinthiano tinha que viver sabendo que dissera aquelas duas palavras terríveis. Mas ele sempre lembrou o episódio com bom humor, especialmente após o nascimento de seu neto Daniel, que fala até hoje, com honestidade bem maior: “Sou palmeirense”.

Pai de duas filhas que não ligam para futebol, Cyro recebeu Daniel como o filho que não teve, mesmo que isso significasse uma tolerância maior com o arquirrival. Afinal, dividir a paixão pela bola era algo mais valioso do que brigar pelas cores dos uniformes.

“Quando a gente falava sobre uma vitória do Palmeiras, eu sentia que ele ficava genuinamente feliz pelo neto estar feliz. Também levei essa rivalidade na esportiva por causa dele. Era uma coisa que nos unia muito mais do que nos afastava”, conta o neto, hoje com 34 anos.

Após 89 anos cheios de memórias em preto e branco, Cyro José Bessi partiu nesta semana, derrubado pelo coronavírus.

O catanduvense Cyro celebra seu aniversário de 89 anos - Arquivo pessoal

Segundo Daniel, o avô gostaria que um texto sobre a vida dele girasse em torno do Corinthians. Está claro, porém, que não seria completo sem ao menos alguns tons de verde.

Marcos Guedes

33 anos, é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e, como o homenageado deste espaço, Nelson Rodrigues, acha que há muito mais no jogo do que a bola, "um ínfimo, um ridículo detalhe". E-mail: marcos.guedes@grupofolha.com.br

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