A bola é um detalhe: Gols modernérrimos

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São Paulo

Brota no futebol, de tempos em tempos, uma mania que se espalha com força. Pode ser algo pitoresco, como colocar um homem deitado atrás da barreira para inibir a cobrança de falta rasteira, ou mesmo um sistema de jogo.

Foi assim após a Copa do Mundo de 2002, que contribuiu decisivamente para a piora da qualidade das partidas disputadas no Brasil nos anos subsequentes.

O sucesso da seleção de Felipão na Ásia multiplicou os times com três zagueiros. Só faltou explicar aos demais treinadores que eles não tinham como alas Cafu e Roberto Carlos —dois touros na parte física e suficientemente bons na técnica para fazer do 3-5-2 um esquema sólido na defesa e criativo no ataque.

Uma década depois, a mania era outra. O espelho passou a ser o "tiki-taka" do Barcelona, que trocava passes curtos, à exaustão, à procura do espaço. Atletas como Xavi e Iniesta tocavam a bola precisa e incessantemente até que aparecesse a brecha para o craque Lionel Messi aproveitar a defesa desequilibrada.

Funcionou também na Espanha campeã do mundo em 2010 —uma seleção que não tinha Messi, mas tinha a base do Barcelona reforçada por atletas importantes do Real Madrid e de outros gigantes europeus. Não funcionou nas equipes brasileiras que tentaram repetir a fórmula sem as peças para colocá-la em prática.

Houve técnicos por aqui que chegaram a estabelecer uma meta de passes por partida, um número que seus jogadores precisavam buscar a todo custo. Tivessem definido como objetivo fazer mais gols do que o adversário —algo hoje tratado como um reles, um ínfimo, um ridículo detalhe—, provavelmente teriam alcançado sucesso maior.

Agora, a coqueluche do momento é a saída de bola arrojada, por baixo. "Quebrar" um tiro de meta na direção do centroavante virou um pecado gravíssimo, uma prova de que o treinador da equipe está irremediavelmente ultrapassado, mais obsoleto do que a primeira audição do "Danúbio Azul".

Moderno mesmo é iniciar o lance com aquele toque curtinho, que mal faz a bola sair da pequena área. Aí, os zagueiros e o goleiro ficam em um malabarismo que é puro deleite estético.

Na melhor das hipóteses, o time supera a primeira linha de marcação e tem mais 75% do campo para conquistar. Na pior, perde a bola bem pertinho da própria trave e toma o gol.

Paciência. Foi lindo! Foi um gol sofrido de maneira modernérrima.

Jhojan Julio, da LDU, comemora um gol bastante moderno e decisivo para a eliminação precoce do São Paulo na Copa Libertadores - Jose Jacome - 22.set.20/Reuters

Marcos Guedes

33 anos, é jornalista formado pela Faculdade Cásper Líbero e, como o homenageado deste espaço, Nelson Rodrigues, acha que há muito mais no jogo do que a bola, "um ínfimo, um ridículo detalhe". E-mail: marcos.guedes@grupofolha.com.br

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