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Caneladas do Vitão - Filho da mãe: cria demasiadamente humana

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São Paulo

Futebol é desigual, injusto, egoísta, falho, imprevisível, hiperativo, violento, bruto, instintivo, tosco, medieval, animalesco. É humano, demasiadamente humano.

Futebol é democrático, abrangente, justo, coletivo, perfeito, paciente, harmônico, contemporâneo, racional. É humano, demasiadamente humano.

Futebol é mimado. E, criado à parte, à margem da sociedade, é atendido em sua narcisista expectativa de ser tratado de forma diferenciada pela universal e corporativista família da bola. As falhas, as idiossincrasias, as irresponsabilidades e os equívocos são minimizados, tolerados, terceirizados e, por vezes, glamourizados. É humano, demasiadamente humano.

Futebol é ingrato. Quem não serve mais hoje tem apagado os feitos e chutado da memória coletiva os ótimos serviços pretéritos prestados. E vice-versa. O êxito presente pontual apaga a extensa capivara de débitos passados. Sempre é o resultado, estúpido! É humano, demasiadamente humano.

Futebol é o filho preferido, querido, protegido. O único que a fidelidade incondicional jamais é questionada. É a regra. E, em caso excepcional em que ele é vítima de injustificada infidelidade, o ônus da execrável culpa é do infiel. É humano, demasiadamente humano.

Futebol é maquiavélico, bélico. Os fins capitalistas e desportivos, quase sempre nessa ordem, justificam os meios. É humano, demasiadamente humano.

Futebol é antimaquiavélico, lúdico, belo. O fim é estar no meio dos nossos, independentemente do resultado. É humano, demasiadamente humano.

Futebol forma caráter ao escancarar o numeroso número de maus-caracteres que vivem do futebol, ainda que não vivam futebol. É humano, demasiadamente humano.

Futebol deforma caráter ao sobrevalorizar a vitória sobre todos os valores, inclusive os inegociáveis. É humano, demasiadamente humano.

O filho da mãe do futebol, filho único, é disparado a melhor cria da humanidade. E é imensamente perfeito em suas imensuráveis imperfeições. É humano, demasiadamente humano.

Só quem vive, respira, sofre e transmite o DNA dominante do amor ao futebol tem o direito de falar mal da maldita, bendita cria. Falar mal do seu para os seus e proteger o seu dos outros é humano, demasiadamente humano.

Nelson Rodrigues: "Amar é dar razão a quem não tem".

Vitor Guedes

44 anos, é ZL, jornalista formado e pós-graduado pela Universidade Metodista de São Paulo, comentarista esportivo, equilibrado e pai do Basílio.

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