Consumidores relatam intensa cobrança de dívidas antigas em meio ao coronavírus

No país, 10,2% das famílias endividadas não conseguem quitar débitos neste momento; número pode aumentar com pandemia

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São Paulo

Há alguns anos o profissional de TI Heitor Martins, 40 anos, vive com algumas dívidas em aberto. Acostumado a ser cobrado uma vez por dia por telefone ou email, ele diz ter ficado assustado quando, após a confirmação dos primeiros casos de coronavírus no Brasil, passou a receber mais de dez ligações em seu telefone celular por dia, além de mensagens de texto com cobranças.

"Infelizmente passei um tempo desempregado e acabei não conseguindo pagar algumas faturas de cartões de crédito e de operadoras de celular. Estava em processo de finalização dos acordos, mas nada acertado realmente com as empresas. Por isso, sempre recebi uma ligação ou outra sobre o assunto. Nos últimos 15 dias isso mudou drasticamente, em um único dia atendi mais de dez profissionais de telemarketing perguntando quando eu pagaria os valores que estou devendo há anos. Achei estranho, parece que as empresas querem nosso dinheiro a qualquer custo, ainda mais agora, com a crise econômica que o coronavírus vai causar", relata Martins.

O representante comercial Rafael Souza, 35 anos, afirma ter passado pela mesma situação. "Tenho dívidas em aberto em alguns bancos e comecei a me sentir invadido quando, após começar a trabalhar de casa por causa da quarentena, passei a receber inúmeras ligações no meu telefone fixo. Questionei aos atendentes se as empresas não perceberam que estamos passando por um momento incomum e disse que não seria de bom tom cobrar as pessoas por dívidas antigas, mas eles pareciam tão encabulados com a situação quanto eu", diz Souza.

De acordo com levantamento feito pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), em março, período pré-quarentena, o percentual de famílias com dívidas ou contas em atraso foi de 25,3%. O total de famílias que declararam não ter condições de pagar suas contas ou dívidas em atraso e que, portanto, permanecerão inadimplentes no mesmo mês foi 10,2%. Já o número de famílias que possuem algum tipo de dívida foi de 66,2%, o maior percentual desde o início da Peic (Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor), em janeiro de 2010.

A confederação estima que, nos próximos meses, esse número deve aumentar em função da crise provocada pela pandemia. O presidente da CNC, José Roberto Tadros, afirma que, nesse momento de incertezas sobre a economia, é importante que as empresas busquem "contatos e acordos amigáveis e facilitadores para as pessoas que já estavam endividadas e, também, para aquelas que passarão a ficar a partir de agora.”

Legalmente não há nenhum tipo de impedimento para que as empresas parem de cobrar, via ligação ou email, aqueles que estejam com débitos em aberto não relacionados ao coronavírus. Porém, isso deve ser feito de uma forma natural. O excesso de ligações pode configurar inoportuno e também cobrança vexatória, dependendo de como as cobranças estejam sendo feitas, situações que são amparadas pelo Código do Consumidor.

"O consumidor deve reclamar e denunciar aos órgãos do consumidor se estiver passando por isso. Eventualmente, ele pode também pedir danos de reparação moral na Justiça, pela forma e quantidade de vezes que esteja sendo cobrado. Ainda é cedo para entendermos como ficarão as cobranças das dívidas antigas e das novas, criadas a partir da crise da pandemia, que poderá levar muitas pessoas ao desemprego e ao endividamento, mas é importante que os consumidores saibam que podem ser amparados em situações como essa", diz Roberto Pfeiffer, professor de direito da USP, procurador do estado de São Paulo e ex-diretor do Procon-SP.

"Tenho intenção de procurar meus direitos sim", diz Martins, que afirma estar se sentindo prejudicado com tantas cobranças neste momento. "Quero pagar, mas não consigo fazer isso agora. A situação econômica já estava grave, imagina agora. Mas sei que isso não é argumento para que as empresas passem a ligar mais de dez vezes ao dia para o nosso telefone. Isso tem que ser repensado neste momento. Estamos trancados em casa com medo da doença e ainda precisamos passar por isso, fico chateado. Além de mim, sei de muitas pessoas que estão sendo cobradas intensamente e acabam ficando mais estressadas que o normal", completa ele.

Resposta

Bancos, operadoras e empresas questionadas sobre o assunto afirmaram que estão entrando em contato com os clientes para entender a situação de cada um e propor soluções para os débitos em aberto neste momento.

Em nota, as principais operadoras de telecomunicações, representadas pelo Sinditelebrasil, afirmam que estão unidas em apoio aos brasileiros no combate ao novo coronavírus.

"Entre iniciativas propostas, há uma maior flexibilidade para adequação dos planos contratados e também no processo de cobrança, para clientes que encontrem dificuldade para se manter adimplentes. Neste sentido, as operadoras estão implementando algumas revisões em suas políticas de negociação de dívidas por inadimplência, buscando criar melhores condições de prazo e/ou isenção de juros neste momento", diz texto enviado.

O Itaú Unibanco e o Banco do Brasil esclarecem que os contatos continuam acontecendo, mas com o objetivo de entender a situação de cada cliente e propor soluções para facilitar a vida financeira de seus clientes neste momento.

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