Descrição de chapéu Coronavírus

Linha de frente nos hospitais vive superação e inferno contra o coronavírus

Profissionais da saúde encaram a Covid-19 com dedicação, amor ao trabalho e também solidão

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São Paulo

Tratados como heróis por grande parte da população, os profissionais da saúde que estão na linha de frente do combate ao novo coronavírus têm se esforçado para manter a serenidade e não sucumbir às pressões do dia a dia. Os desafios vão desde as longas jornadas cuidando de pacientes em agonia até a distância da própria família, por medo de contaminar quem mais se ama.

A enfermeira Rafaella Coutinho Grecco Aguiar, 29 anos, se viu obrigada a trocar sua casa em Peruíbe (137 km de SP), onde mora com o marido, por um quarto de hotel oferecido pelo Hospital Sírio-Libanês, na Bela Vista (região central), onde trabalha. “Os ônibus para a minha cidade não saem mais com a mesma frequência de antes da pandemia. Cada dia é um horário.”

No hotel, não há convívio com outras pessoas. “A gente mantém o isolamento social. Comemos dentro do quarto”, conta. Para evitar a solidão, a enfermeira usa a internet. “A tecnologia tem ajudado. Falo com a minha família. As pessoas sabem que estou passando por essa situação e apoiam.”

A enfermeira Rafaella Coutinho Grecco Aguiar passou a morar em um hotel próximo ao hospital onde trabalha na Bela Vista (centro) e fica confinada no quarto quando não está em atendimento - Rubens Cavallari -17.abr.2020/Folhapress

São as conversas à distância e ajuda mútua entre os colegas que dão à enfermeira a energia necessária para o trabalho na UTI, agravado após o coronavírus. “Não costumamos perder muitos pacientes. Acontece, mas a porcentagem de altas é grande. Mas agora, no começo da epidemia, perdemos muitas pessoas.”

INFERNO

Não é apenas nos hospitais que profissionais da saúde estão lidando diretamente com o coronavírus. Ambulâncias que rasgam, barulhentas, as ruas da capital são, muitas vezes, o primeiro suporte aos pacientes. “Nunca tivemos certeza de nada, nem para o paciente ou para nós. Mas, com essa situação agora, não sabemos lidar, porque é um inimigo invisível e muito maior que a gente. Pode debilitar a nossa família”, diz uma enfermeira do Samu, com quase duas décadas de profissão.

O medo de levar a doença para dentro de casa faz com que a enfermeira troque de roupa no quintal e opte pelo isolamento. “Não tem como fugir à imagem da minha mãe, de 72 anos, do meu pai, de 80, intubados”, diz. “Vivemos o completo inferno.”

A profissional lamenta a falta de cuidado com a saúde pública. “Se fôssemos respeitados, ouvidos, teríamos certeza do respaldo. Mas não temos.”​

‘Uma sensação de isolamento muito grande’

O clima era tenso e as pessoas estavam com lágrimas nos olhos quando foi aberta exclusivamente para pacientes da Covid-19 a UTI de um grande hospital público da capital. Era o início de uma batalha ainda bem longe de terminar. “A gente achava que iria levar dias, mas lotou em poucas horas”, conta uma médica intensivista da unidade.

A pandemia acelerou o processo de separação vivido pela médica, que decidiu também fechar o apartamento onde vivia e morar perto do hospital. “Percebi que não iria conseguir pegar metrô, porque colocaria outras pessoas em risco”, afirma. “Eu me dei conta de que iria passar muitos meses sem encontrar meus pais, irmãos e amigos. Me tocou que seria muito tempo sem abraço, beijo, um toque de conhecidos. Uma sensação de isolamento grande”, diz.

A doença que afasta expôs também feridas abertas, conta a intensivista. “Ficou mais clara a fragilidade de como a sociedade se organiza. Se coloca como próspera e produtiva, mas não dá conta de manter o bem-estar e a segurança da coletividade. Saúde é direito que deveria ser público e universal.”

‘Quando nós damos a notícia, a família já não pode se despedir’

Uma quarentena imposta após o contato com um colega contaminado pelo coronavírus, o afastamento dos pais desde o início de março e o drama de dar a má notícia aos parentes que nem se despediram do paciente morto se somam a um número recorde de atestados de óbito emitidos no último mês. Essa é a rotina do clínico Carlos (nome fictício), 32 anos, que trabalha em dois hospitais na capital. Em um deles, lida com vida e morte na UTI lotada.

Ao conversar com a reportagem, Carlos estava trancado na casa que divide com três colegas, também médicos. “Um deles foi diagnosticado com Covid e estamos em quarentena. A gente já tinha conversado que era questão de tempo, pela natureza do trabalho.”

O volume de serviço aumentou. “Há um desespero para encontrar médicos. Ampliei a carga horária, mas mantive um limite para dar conta de fazer as coisas bem feito”, afirma. Carlos diz que, em 2019, emitiu três atestados de óbito. Só no último mês, foram cinco. O desgaste emocional é gigantesco, relata. “Quando você vai dar a notícia, as pessoas não conseguem mais se despedir do familiar. E já estavam sem vê-lo havia algum tempo, porque são internações prolongadas”, conta, com a voz embargada.

O clínico afirma que, mesmo na crise, os recursos não estão sendo direcionados para unidade públicas, por isso encara com certo ceticismo a chance de mudanças na saúde, por si só, após a pandemia. “Os próprios hospitais de campanha estão sendo entregues para a gestão privada”, diz.

'Difícil ver alguém morrendo sem poder fazer nada'

O diretor do Simesp (Sindicato dos Médicos de São Paulo) Erivalder Guimarães afirma que a luta contra o coronavírus é desgastante ao extremo para os profissionais da saúde. ”Somos preparados para salvar vidas, não para assistir a uma mortalidade tão alta como em uma epidemia. É muito difícil ver uma pessoa morrendo sem poder fazer nada.“

Guimarães explica que a dificuldade é gigantesca porque se combate um inimigo sobre o qual se sabe muito pouco. ”Um vírus novo, que não tem medicação específica. Tudo o que é feito é experimental ou na tentativa de fazer o organismo reagir, dando oxigênio. É um negócio maluco“, conta.

Segundo Guimarães, o que tem confortado muitos trabalhadores do setor é o apoio da população. ”As pessoas têm reconhecido a importância e sido solidárias“, diz.

Entretanto, o diretor do Simesp prevê dias mais difíceis pela frente. ”Não chegou o pior momento, quando não haverá UTI suficiente terá que escolher quem salvar. Aí, a angústia e o desespero serão maiores“, afirma. Entretanto, deseja o melhor aos colegas. ”Aguente firme e tenha esperança.“

Governos dizem que vão investir

As secretarias Municipal e Estadual da Saúde afirmaram que reconhecem o empenho de cada profissional da saúde. Segundo o governo estadual, foram compradas 42,2 milhões de EPIs e estão sendo contratados mais de 1.185 profissionais, entre outras ações.

A prefeitura também cita a compra de equipamentos de proteção, entre outros, além do recebimento de doações, como de Xangai (CHI), cidade-irmã de São Paulo.

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