Médico com coronavírus relata efeitos colaterais com a cloroquina

Cardiologista diz que o coronavírus não é uma gripe: "é grave e debilitante"

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São Paulo

O médico Júlio César Antunes de Oliveira, 39 anos, sentiu em seu corpo os efeitos devastadores do coronavírus e, também, os danos colaterais da hidroxicloroquina. Com teste positivo para a Covid-19, o cardiologista do Rio de Janeiro afirma ter ficado muito debilitado, com dor, desidratação e náusea, a ponto de dizer que não sabe se um "idoso toleraria essa medicação" fora do ambiente controlado de um hospital.

O médico resume a Covid-19 como "desproporcional a qualquer doença que eu já tive" e rejeita as tentativas de minimizar a gravidade da situação. "Definitivamente, infecção por coronavírus não é uma gripe. É grave e debilitante", diz.

Depois de ficar "prostrado e nauseado" nas primeiras 48 horas, Júlio César começou a sentir a face mais grave da doença. Os primeiros sintomas foram mialgia (dor muscular), indisposição e febre. Horas depois, perdeu o paladar e o olfato. O quadro evoluiu e surgiu a tosse, seguida de problemas respiratórios.

Ele começou, então, o tratamento experimental, indicado pelo infectologista que o atendeu. A escolha pelo medicamento se deu diante da evolução do quadro de saúde de Júlio César.

"Eu iniciei o protocolo de hidroxicloroquina com azitromicina, drogas que, para este fim, ainda estão em teste. E eu tive muitos efeitos colaterais. Dor ocular, muita náusea e diarreia, a ponto de ficar desidratado. Não consegui me alimentar adequadamente", conta.

Médico do Rio de Janeiro teve sintomas graves do coronavírus e efeitos colaterais com uso de medicamento experimental - Rubens Cavallari 26.fev.2020/Folhapress

Ele fez um tratamento de cinco dias de azitromicina e cinco dias de hidroxicloroquina. "Não sei, sinceramente, se um idoso toleraria essa medicação, fazendo uso em casa, sem estar monitorado, sem receber hidratação venosa", diz.​

O cardiologista conta que as consequências de realizar um tratamento como esse não são banais, principalmente sem algum tipo de supervisão médica. "Fiquei desnutrido, perdi peso, perdi força e perdi massa muscular."

O medicamento, comumente usado em casos de malária, lúpus e artrite reumatoide, ainda não tem eficácia comprovada na melhora de pacientes com a doença e está em fase de estudos para utilização contra o novo coronavírus.

Medo

O médico preferiu não procurar o hospital e tentar lidar com a doença em casa, mas agora, passados alguns dias, se arrepende da decisão. O cardiologista está praticamente recuperado, mas perdeu 4 kg durante este processo e ainda está com um quadro gastrointestinal alterado por conta das medicações.

Para proteger a si e a sua família, Júlio César se isolou em casa. A mulher e a filha foram para a residência da sogra do médico, e os pais dele permaneceram em outra casa.

"Esse isolamento é fundamental para evitar contaminação, mas, como me isolei, se eu precisasse ter algum socorro não sei como seria", conta o cardiologista. "Em alguns momentos, eu tive medo de morrer."

"Analisando retrospectivamente, eu deveria ter sido internado, mas eu fiquei com receio, os colegas sobrecarregados, receio de uma infecção secundária, e a questão do isolamento, tudo aquilo. Eu optei por tentar segurar em casa."

O cardiologista acredita que se contaminou durante o trabalho e diz que está sendo acompanhado e "muito bem assessorado".

Diante do crescimento no número de casos e após ter encarado de frente a Covid-19, Júlio Cesar questiona se o sistema de saúde vai conseguir dar conta de um número grande de pacientes. "Eu, sinceramente, acho que não."​

Hidroxicloroquina

Entre os principais efeitos colaterais apresentados pela hidroxicloroquina já registrados pelos estudos clínicos estão as arritmias cardíacas, a hepatite medicamentosa, as lesões de retina, as alterações hematológicas como anemia e queda das plaquetas e sintomas gastrointestinais como náuseas, vômitos e diarreias.

"A hidroxicloroquina é um medicamento antigo utilizado para o tratamento da malária e no controle de algumas doenças autoimunes como o lupus e a artrite reumatóide", afirma a médica Christieni Rodrigues, doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

A especialista explica que, com a epidemia do novo coronavírus, alguns estudos e relatos de casos na China e na Europa começaram a identificar resposta terapêutica ao uso experimental da hidroxicloroquina em pacientes infectados, especialmente os mais graves.

Christieni, que é médica coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Santa Paula, ressalta que estes estudos não são conclusivos "devido ao número pequeno de casos e situações diferentes da população estudada".

Segundo ela, isso dificulta avaliar "neste momento inicial, a real eficácia da droga. No momento, seu uso deve ser rigorosamente monitorado e prescrito em situações específicas, como em pacientes graves, sob supervisão médica e em protocolos de pesquisas, muitos já em andamento no nosso país".

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