Recuperados da Covid-19 enfrentaram apagão e têm pesadelos
Maioria dos pacientes diz não lembrar de período de intubação, mas citam sonhos ruins
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Perder o controle sobre a própria vida, ver a morte de perto e não contar consigo mesmo nem para respirar são alguns dos traumas pelos quais passam aqueles que acabaram internados por causa do coronavírus. Quem foi e voltou carrega consigo a vitória sobre a doença, mas também marcas profundas da batalha.
A família reunida na porta do Hospital Emílio Ribas (zona oeste), no último dia 5, fez a cozinheira Janekelle Oliveira Santos, 43 , distribuir e receber abraços como não fazia havia mais de um mês. Ela passou 42 dias internada por causa do coronavírus, 25 deles intubada. “Não lembro de nada de quando estava intubada. Só sonhava, todos os dias. Que estava viajando, que estava na minha casa. Nunca deixei de ter os sonhos”, afirma.
O despertar após a intubação foi terrível. “Estava com braços e pernas amarrados. Aquilo me deu um desespero tão grande. Não sou bicho, mas eles explicaram que precisava ficar daquele jeito, porque estava ansiosa e nervosa.”
O procedimento de prender os membros do paciente à maca serve para que ele não perca os acessos nas veias nem se machuque. O trauma ainda persegue a cozinheira. “Tenho pesadelos. Meu marido diz que sonho, choro e falo para não me amarrarem”, diz Janekelle, que se recupera em casa com a ajuda da família.
Durante a internação, muitas vezes o pesadelo é real. “Você se sente isolado, sozinho. Não vê nem a pele da pessoa que está te atendendo. É quando cai a ficha”, conta a modelista Aurineide Guimarães, 63, que também recebeu alta do Emílio Ribas no dia 5. “Parece que eles vão para a guerra. Antes de sair, deixam a roupa e vão embora rapidinho. Isso faz pensar ‘estou com uma doença grave e vou morrer’. Dá tristeza, choro, a sensação de morte e de que não sairia viva”, diz Aurineide.
A modelista acabou no hospital, onde passou oito dias, após perder o ar e não conseguir falar. De casa, só recebia notícias por chamada de vídeo. Aurineide chegou a ser preparada para a intubação. Escapou do procedimento por pouco e ficou na enfermaria, com oxigênio. “Deus é maravilhoso.”
Pedreiro de 75 anos diz ter sido contaminado dentro de casa
O pedreiro aposentado José Macedo Tavares, 75 anos, diz que não botava os pés nas ruas do Grajaú (zona sul), onde mora. Mesmo assim, o coronavírus chegou até ele. “Pegou em mim em casa. Vinha gente de fora”, contou.
O que não faltou foi visita antes do contágio. Viúvo, o evangélico da Igreja Assembleia de Deus tem 13 filhos, 22 netos e 18 bisnetos. Quando falou com a reportagem, Tavares estava internado na unidade de estabilização do Hospital de Campanha do Ibirapuera havia oito dias.
Diabético e com problemas respiratórios, sentia fraqueza e se emocionou ao dizer das coisas que tornam a velhice mais feliz. Sonhava em retornar aos cultos e em recuperar o gosto pela comida, que desapareceu. “Quero fazer um cozido ou um frango com abóbora e quiabo. Eu mesmo faço a minha comida e todo mundo gosta.”
‘Tive uma sensação ruim de que eu não iria resistir’
“Tirei soro, tirei tudo e disse que não queria ir para o hospital. Eles tiveram que me segurar.” Foi essa a reação da diarista Maria das Graças Gomes, 65 anos, depois de receber a notícia de que precisaria ficar internada para se livrar da Covid-19.
Febre alta, dor constante e uma tosse que parecia arrancar um pedaço do peito foram os sintomas que a levaram da Vila Santa Catarina, no Jabaquara (zona sul), até o Hospital de Campanha do Ibirapuera (zona sul).
Maria das Graças ficou duas vezes na enfermaria, mas foi só no setor de estabilização que encontrou o alívio. “Nessa última, tive uma sensação ruim, de que não iria resistir. Tomei um banho, fui deitar e cadê o ar? Cadê? Eles me trouxeram de maca para a estabilização, nem de cadeira de roda”, contou, no dia 5, após 15 dias de internação.