Uma multidão circulou pelo centro de Guarulhos (Grande SP), entre as 10h e 15h desta sexta-feira (12), após a prefeitura autorizar a reabertura de comércios e prestadores de serviço, inclusive salões de beleza, durante a pandemia do novo coronavírus, e que estavam com portas fechadas desde março.
Além de comércios, templos religiosos e igrejas também estão autorizados a celebrar cultos no município, respeitando lotação de 25% da capacidade dos templos.
A rua Dom Pedro 2º, principal via de comércio da cidade, estava repleta de pessoas caminhando pelo calçadão, por volta do meio-dia, e com filas formadas em frente a lojas de departamento.
Moradora dos Pimentas, bairro periférico a cerca de 15 km do centro, a dona de casa Leila Santos, 39 anos, foi até o calçadão comercial dizendo que precisava pagar uma conta. Ela estava acompanhada das duas filhas, de 7 e 23 anos.
Com sacolas cheias de roupas e cosméticos, ela admitiu ter ido ao centro também para fazer compras, argumentando que os preços são mais baratos do que em seu bairro, de onde foi ao centro com seu carro. “Cosméticos são produtos essenciais e, tirando hoje [sexta], estou respeitando o isolamento social”, disse.
Aguardando em uma fila de loja de departamentos, o vidraceiro Fábio dos Santos Silva, 40, pretendia comprar uma televisão para presentear o enteado. Acompanhado da mulher e de uma filha, de 43 e 7 anos, ele argumentou “não conseguir” fazer compras pela internet. “Todo serviço é essencial para quem o oferece. Para mim, comprar uma TV não é essencial, mas para quem vende é”, disse.
O vidraceiro acrescentou “não ligar” para uma eventual contaminação pelo novo coronavírus e elogiou a reabertura do comércio.
As lojas visitadas pela reportagem controlavam o acesso de clientes, aferindo a temperatura (em grandes redes) além de oferecer álcool em gel.
Segundo a gestão Gustavo Henric Costa, o Guti, (PSD), o funcionamento do comércio será permitido das 10h às 16h. Já estabelecimentos de prestação de serviços, como autoescolas e despachantes, das 9h às 15h, bem como escritórios. Salões de beleza só poderão funcionar com horário marcado, com um atendente para cada cliente.
Fechou salão 20 dias após o comprar
Edilaudo Ferraz, 54, conhecido como Edi, trabalha desde os 13 anos em um salão de cabeleireiro da rua Capitão Gabriel, no centro de Guarulhos.
Ele diz ter guardado dinheiro durante anos até que, em 1º de março deste ano, comprou o estabelecimento — concretizando um sonho que durou somente 20 dias. “Lembro que anunciaram a quarentena [em 21 de março] e tive que avisar a equipe que iríamos fechar por 15 dias.”
Após as duas primeiras semanas de isolamento, e a prorrogação da quarentena, ainda vigor, clientes começaram a telefonar e enviar mensagens procurando atendimento. “Confesso que atendi ‘clandestinamente’, com as portas fechadas, uma cliente de cada vez, com agendamento prévio”, afirmou.
Antes da pandemia, o salão atendia, em média, 60 clientes diariamente. Com as portas fechadas, houve dias sem nenhuma procura e alguns com até três atendimentos.
Sobre a reabertura, ele confessou sentir um misto de alegria e medo. “Estou feliz de recomeçar, mas ao mesmo tempo com medo de ter que fechar as portas de novo [caso ocorra aumento de casos da Covid-19].”
Nesta sexta, foram atendidas dez clientes em seu salão, até por volta das 13h30, que realizaram agendamento prévio. Antes de entrar no estabelecimento, clientes higienizam a sola dos calçados em um tapete, com água sanitária. Na entrada também havia álcool em gel. Todos os funcionários e clientes eram obrigados a usar máscara.
Barbeiro há mais de 50 anos se sente como estreante
Há 56 anos na rua Siqueira Campos, no centro guarulhense, o barbeiro José Laurindo Guilherme, 74, sentia como se estivesse estreando no ramo nesta sexta-feira, em decorrência da insegurança que sente ao pensar no futuro de sua barbearia.
Dividindo a demanda de serviço com o filho Samuel, 36, ambos só não fecharam definitivamente as portas por causa da ajuda de amigos e clientes, incluindo o locador do imóvel.
“O dono daqui cobrou só 50% do aluguel, pago com nossas economias, que praticamente acabaram”, afirmou o barbeiro mais experiente.
O filho acrescentou que ambos também receberam auxílio financeiro e até cestas básicas durante o período em que não trabalharam. “Agora que voltamos, estamos correndo para avisar os clientes fiéis que estamos funcionando, mas só Deus sabe quando, e se, as coisas voltarão a ser como eram”, desabafou Samuel.
Bom senso ajuda comerciantes
Alguns comércios do centro de Guarulhos, como a barbearia da rua Siqueira Campos, puderam voltar a funcionar por causa da compreensão de locadores de imóveis.
Um destes locais é a loja de roupas e acessórios de Luciene Oliveira, 35, na ladeira Campos Sales. “Negociei com o dono que, a partir de dezembro, vamos começar a quitar os aluguéis não pagos durante a pandemia”, explicou. Ela acrescentou que as vendas caíram cerca de 90% na loja, que funciona no endereço há cerca de um ano.
Na mesma ladeira, Audálio Andrade de Oliveira, 53, testemunhou a queda de 60% nas vendas de seu sebo de livros, filmes e CDs. Este percentual corresponde aos clientes de balcão, que acabam levando produtos após entrar na loja, sem compromisso, o que estava proibido em Guarulhos desde a decretação da quarentena.
Durante o período em que manteve as portas fechadas, o locador cobrou metade do aluguel de Oliveira, que também cortou da própria carne para não demitir funcionários. “Deixei de comprar qualquer coisa e reduzi o consumo de tudo.”
Missas estão liberadas, mas Diocese prefere esperar
A Prefeitura de Guarulhos também autorizou missas e cultos presenciais em igrejas e templos religiosos, com até 25% da capacidade dos prédios. A Diocese da cidade, no entanto, não realizará celebrações ao menos até 30 de junho. Algumas igrejas, como a Capela Nossa Senhora do Rosário, no centro, estão abertas para que fiéis rezem individualmente.
No local, um funcionário controlava o acesso de fiéis, além de indicar locais com álcool em gel. Os assentos da igreja são desinfectados de meia em meia hora.
A diretora de escola Sueli Aparecida, 63, foi à igreja rezar pela alma de um amigo, morto recentemente. Ela afirmou ter ido ao centro pegar resultados de exames médicos e, ao ver que a igreja estava aberta, decidiu entrar no local rapidamente. "Daqui vou para casa, onde estou desde o início da pandemia. Confesso que me assustou ver a quantidade de gente aqui no centro, nem cheguei perto."
O bispo diocesano de Guarulhos, dom Edmilson Amador Caetano, afirmou que, apesar da liberação antecipada da prefeitura, "a Igreja Católica considera prudente não levar isso adiante, pelo menos até o próximo dia 30". “As coisas estão incertas neste sentido [de reabrir igrejas]. Não vamos abrir ainda por uma questão de segurança”, afirmou.
O religioso acrescentou não se opor à decisão da prefeitura, mas como líder da Igreja em Guarulhos, prefere aguardar e observar “como as coisas se desenvolvem.”
Desde março, quando a quarentena foi decretada no estado de São Paulo, todas as mais de 120 igrejas da cidade, sendo 46 paróquias, deixaram de realizar celebrações presenciais. Apesar disso, o bispo afirmou que alguns templos estão abertos para que fiéis possam rezar individualmente, respeitando medidas de segurança.
As atividades assistenciais não pararam na cidade, acrescentou o bispo, mas se adaptaram para evitar eventuais contaminações pelo novo coronavírus.
Além das pessoas já auxiliadas pela instituição, mais necessitados começaram a procurar a igreja após o início da pandemia, como trabalhadores informais que ficaram sem fonte de renda, explicou Caetano. “Não temos contabilizadas as toneladas de alimentos doados. Mas garanto que não faltou solidariedade ao povo, mesmo durante o isolamento”, acrescentou o bispo.
Em Guarulhos, três padres testaram positivo para o novo coronavírus, dos quais um já se recuperou e dois estão internados, sem riscos. Outro religioso está com suspeita de infecção.
Segundo a Secretaria de Estado da Saúde, 463 pessoas tiveram morte confirmada por Covid-19 em Guarulhos. O número só é menor no estado que o da cidade de São Paulo, com 5.480 óbitos. Ao todo, foram registrados 4.067 casos da doença na cidade da Grande SP.
Resposta
O governo do estado, gestão João Doria (PSDB), afirmou que as prefeituras que infrigirem a determinação estadual, antecipando a reabertura dos comércios, poderão ser barradas pela Justiça.
A gestão Doria acrescentou ainda ter notificado a prefeitura de Guarulhos (Grande SP) e que a notificação foi encaminhada ao Ministério Público.
Nesta quarta-feira (10), o governo estadual anunciou a mudança da etapa dos municípios da região metropolitana de São Paulo, da fase vermelha, de alerta máximo, para a laranja, que permite retomada com restrições de setores específicos do comércio não essencial, como imobiliárias, concessionárias, escritórios, comércio de rua e shoppings centers. “Entretanto, a medida só deve entrar em vigor na próxima terça-feira (16)”, diz trecho de nota.
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