Vendedores se sentem em perigo com reabertura do comércio em SP
Transporte lotado e lojas cheias deixam trabalhadores com risco de contaminação pela Covid-19
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A reabertura parcial do comércio na capital paulista colocou na linha de frente do coronavírus uma categoria que não está dentro dos hospitais. Vendedor de loja tornou-se, desde o dia 11, a nova “profissão perigo” em meio à pandemia. Mesmo com a necessidade de vender para ter alguma renda, eles não escondem o medo de adoecer pela Covid-19.
Vendedora de roupas no Largo 13 de Maio, em Santo Amaro (zona sul), Sonale da Silva, 19 anos, diz que os próprios clientes não colaboram. “A gente fala que não pode provar a roupa, mas insistem. No sábado, uma cliente tirou a máscara, pedimos para recolocar, mas ela saiu da loja.”
Ingrid Santana, 33, que trabalha no Center Norte (zona norte), diz que as supostas medidas de segurança implantadas nos centros de compras não são suficientes. “Trabalho em uma loja em que a gente tem a necessidade de medir as pessoas, mas, por segurança, não podemos tocá-las. Elas se medem sozinhas, mas passam a fita para lá e para cá. Também tiram máscaras para sentir o perfume de essências”, conta.
Além de apontarem um retorno antes da hora, os vendedores também têm receio de que a flexibilização da quarentena seja ampliada no estado. “O shopping vai aumentar a carga horária, a praça de alimentação vai voltar a funcionar e a aglomeração será maior. Aí que entra o risco”, diz o vendedor Denys Barbassa, 26, do Shopping Light (região central da capital).
Muitas vezes, o vendedor é também seu próprio patrão, como o caso do comerciante Vinícius Assis, 30, que tem uma banca em uma galeria no Largo 13 de Maio. Além da saúde, também se preocupa com a falta de grana. Para ele, a ajuda oferecida pelo governo federal foi insuficiente e, durante a quarentena, as pessoas buscaram alternativas para sobreviver, mesmo com riscos. “Conheço muitos que tiveram de ir para a rua trabalhar como camelô para poder vender as mercadorias.”
A vendedora Amanda Petito, 26 anos, sabe bem o que é a Covid-19 e, por isso mesmo, não consegue entender o que leva as pessoas a passear pelo shopping sem necessidade. Ela, que trabalha no Shopping Metrô Santa Cruz, na Vila Mariana (zona sul), e o marido tiveram a doença.
Segundo Amanda, a volta ao trabalho foi traumática, pois a mãe e avó são diabéticas e ela teme transmitir a doença a elas.
Transporte expõe trabalhador a risco
O perigo nem sempre está no contato com os clientes, dentro das lojas, e os vendedores sabem bem disso. Quem se viu obrigado a voltar ao trabalho durante o pico da pandemia conhece a realidade de ônibus e trens lotados. O medo da contaminação faz com que trabalhadores tenham até que mudar seus itinerários.
É o caso da vendedora Laila Lopes, 20 anos, que mora na Água Funda, no Cursino (zona sul), e trabalha em Santana (zona norte). Antes, tomava o metrô. Hoje, usa dois ônibus, mais vazios, para fazer o trajeto ao trabalho.
“Anteriormente, eu ia e voltava de metrô, aquela multidão respirando o mesmo ar. Mas, pela minha segurança, pelas pessoas ficarem mais afastadas, ônibus é melhor para mim”, diz.
A volta ao trabalho em meio à explosão no número de mortos trouxe preocupação para Laila. “Moro com um sobrinho asmático. Não é confortável vir para rua. Fico com medo de estar contaminada, não saber e passar para outra pessoa”, explica.
O temor de levar a Covid-19 para as pessoas mais queridas também deixa preocupada a gerente de loja Fábia Lopes, 41, que trabalha na rua Teodoro Sampaio, em Pinheiros (zona oeste). “Minha maior preocupação é o transporte. Na loja, a gente não tem um fluxo tão grande e dá para fazer a higienização a cada cliente”, diz.
Fábia viaja de ônibus desde Embu das Artes (Grande SP). “Tenho uma filha de 17 anos e minha mãe é do grupo de risco.“
Acúmulo de função aumenta clima de tensão nas lojas
Além de apresentar produtos para clientes, vendedores têm acumulado outra função nas lojas da capital. São eles que se revezam, geralmente, de 30 em 30 minutos, nas portas dos comércios, com um termômetro pistola na mão impedindo a entrada de pessoas com temperatura elevada.
A vendedora Amanda Carvalho, 26, que trabalha no Bom Retiro (região central), diz que nem sempre a clientela colabora. “Tem pessoas que não aceitam que a gente tem que usar a pistolinha”, afirma.
Segundo Amanda, quem se recusa é orientado a aguardar um pouco. Se a temperatura segue elevada, é impedido de entrar.
Uma vendedora de 43 anos, que também faz a medição de temperatura na porta da loja, diz que a prática é necessária, mas arriscada. “Querendo ou não, a gente fica mais próximo da pessoa para fazer a medição. Temo pela minha saúde e pela da pessoa também. A gente sai bem e quer voltar bem para casa”, diz.
Associação diz que proposta foi validada
A Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shopping) afirma que a reabertura gradual e em formato reduzido é fruto de uma adequação validada pelo hospital Sírio Libanês, pela Vigilância Sanitária e pela Secretaria de Estado da Saúde.
Sobre lotação no metrô e na CPTM, a Secretaria dos Transportes Metropolitanos, da gestão João Doria (PSDB), diz que está com “Operação Monitorada” para constatar quando há necessidade de mais trens e metrô e que faz o reforço.
A SPTrans afirma que “desde o início da quarentena, manteve a frota de veículos bem acima da demanda” e que monitora a situação das linhas de ônibus.
O governo estadual afirma que a decisão de reabertura levou em consideração o nível de controle sanitário desses estabelecimentos, além de aplicação dos protocolos de distanciamento, higiene e proteção. “O plano prevê faseamento regionalizado e segue sob monitoramento contínuo e diário, permitindo, inclusive, a intensificação das medidas de restrição se necessário”.
Procuradas, a Prefeitura de São Paulo e a Associação Comercial de São Paulo não responderam até a conclusão desta reportagem.