Usuários das chamadas farmácias de alto custo, geridas pelo governo do estado, gestão João Doria (PSDB), relatam problema de superlotação, mesmo durante a pandemia do novo coronavírus.

Há também falta de medicamentos para o tratamento dos sintomas da esclerose múltipla. O desabastecimento ocorre há mais de três meses, segundo pacientes que dependem desses remédios. Entre as substâncias em falta, a mais demandada é a teriflunomida. Porém, também foi relatada a ausência da natalizumabe.

A cabeleireira Thais Costa, 34 anos, tem problemas renais e faz hemodiálise. Ela faz uso contínuo de cinco medicamentos, que pega na farmácia estadual. Para evitar filas, chega antes da abertura da unidade do AME (Ambulatório Médico de Especialidades) Maria Zélia, na zona leste de São Paulo. Mesmo assim, não consegue garantir um atendimento rápido.

“Eu cheguei às 5h. Os portões foram abertos às 7h e eu só saí de lá às 9h”, relata. Nas filas, há aglomeração de pessoas, algumas sem máscaras ou fazendo uso inadequado do item, aumentando o risco de contaminação pelo coronavírus.

Lá dentro, o risco de contágio continua, afirmam os pacientes. “Todas as janelas ficam fechadas e o povo respirando o mesmo ar. Mesmo com a pandemia, estava bem cheio”, diz.

Após o período de espera, Thaís não conseguiu pegar todos os remédios. Uma das substâncias da lista dela, a imunoglobulina humana, estava em falta.

A reportagem esteve no AME Maria Zélia na manhã desta terça-feira (14) e encontrou pessoas aglomeradas nas filas e algumas delas sem máscaras. As marcações para o distanciamento no início da fila não era respeitadas pelas pessoas.

A autônoma Bruna Silva Elevi, 30, foi à mesma unidade. Ela reconhece que o local estava cheio, mas não demorou para pegar medicamentos para a filha, já que havia feito agendamento pelo aplicativo.
A falta dos medicamentos também ocorre no interior. Em São José dos Campos (97 km de SP), usuários relatam que a teriflunomida está em falta desde março na unidade local.

Doença ataca o sistema nervoso central

A médica Eva Carolina Andrade Rocha, professora de Neurologia do Centro Universitário São Camilo, explica que a esclerose múltipla é uma doença autoimune, em que o sistema imunológico do paciente passa a atacar o sistema nervoso central.

“A doença se manifesta principalmente em forma de surtos e em períodos de remissão, ou assintomáticos”, explica. Esses surtos podem durar até um mês, com a apresentação aguda de algum sintoma da esclerose. “Pode ser uma perda visual, alteração de coordenação, de força ou de sensibilidade”, acrescenta a professora. Terminados esses surtos, o paciente pode permanecer com algumas sequelas permanentes.

Os remédios para tratamento dos sintomas são chamados imunomoduladores. A função deles é fazer com que o sistema imunológico pare de atacar o sistema nervoso central. “Eles evitam que novos surtos aconteçam”, acrescenta a neurologista.

Pacientes relatam falta de medicamentos em AME

Além da aglomeração, as farmácias de alto custo do governo do estado estão com falta de remédios. Na unidade localizada dentro do AME (Ambulatório Médico de Especialidades) Maria Zélia, no Belenzinho (zona leste), pacientes relatam que estão sem os medicamentos há três meses.

A desempregada Tamara Dias, 28 anos, está preocupada por estar sem o medicamento há cerca de dois meses. “É bem arriscado ficar sem o remédio, pois posso ter algum surto e ter consequências mais graves, como perder a visão ou ter o comprometimento das funções motoras”, diz.

Tamara foi na manhã de ontem à farmácia localizada no AME (Ambulatório Médico de Especialidades) Maria Zélia, no Belenzinho (zona oeste), para tentar pegar a teriflunomida. Foi informada de que está em falta, mas não recebeu prazo.

A administradora aposentada Maria Juvete Braga, 60, teve de parar o tratamento no fim de maio, quando seus comprimidos acabaram. Ela costuma retirar as caixas na farmácia do AME Várzea do Carmo, no Cambuci. “A falta do remédio me dificulta muito para andar”, lamenta. Ela afirma ser inviável comprar o medicamento. “Cada caixa, para um mês, custa mais de R$ 7 mil”, informa.

A falta do medicamento também afeta a parte psicológica, segundo a contadora aposentada Edilma Silva Magri, 65. “Essa situação gera ansiedade e faz com que eu me sinta ainda mais indefesa”, relata.

Estado culpa o Ministério da Saúde

A secretaria estadual da Saúde, gestão João Doria (PSDB), afirma que os medicamentos para o tratamento da esclerose são "adquiridos e entregues" ao estado pelo Ministério da Saúde.

Mesmo assim, a pasta assegura que o abastecimento está sendo normalizado. "O Teriflunomida foi enviado com atraso pelo órgão federal, mas as farmácias Maria Zélia, Várzea do Carmo e do IAMSPE estão abastecidas, e a de São José dos Campos também já recebeu o remédio e está enviando os malotes aos municípios". Quanto à natalizumabe, a secretaria diz que a substância está em redistribuição e o fornecimento deve ser regularizado na segunda quinzena de julho.

Em relação à imunoglobulina humana, a secretaria alega que o ministério não envia a substância há seis meses e que tem feito "cobranças sistemáticas" ao governo federal.

Sobre a demora no atendimento nas farmácias, a secretaria estadual de Saúde diz que a maioria dos pacientes utiliza o aplicativo Remédio Agora, " que permite a retirada do remédio em cerca de 15 minutos". A pasta diz que as unidades reforçaram os cuidados contra a Covid-19.

Procurado, o Ministério da Saúde não se manifestou até o momento da publicação desta reportagem.