O Brasil já superou a marca de 70 mil mortos pelo novo coronavírus e, por bem pouco, o empresário Ronaldo Chiesi, 59 anos, não entrou nessa triste estatística. A vida saudável que mantinha, sem comorbidades, de uma hora para outra se viu de ponta cabeça após se contaminar com a Covid-19 e permanecer 57 dias internado, sendo 41 deles na UTI e mais de um mês intubado. Como por milagre, ele se recuperou para contar a sua história de dor, pesadelos e superação.
Tudo começou com uma diarreia ainda na segunda semana de março. Como a pandemia estava chegando ao Brasil, ninguém identificou o caso como possibilidade de Covid. Assim, no hospital o médico apenas passou um remédio para curar a diarreia, e Chiesi foi mandado para casa. Ele chegou a fazer uma tomografia, que nada mostrou de anormal nos pulmões.
No entanto, depois de quatro dias, ele passou a ter febre e comprou um oxímetro, que mede a oxigenação no sangue, e percebeu que sua saturação estava muito baixa, mesmo em repouso. Morador de Jundiaí, foi levado pelo filho Felipe a um hospital da capital paulista, onde fez uma tomografia, que mostrou o pulmão já comprometido. No mesmo dia, já foi mandado para a UTI e intubado.
“Depois só me recordo lucidamente da minha situação após quase um mês, ainda dentro da UTI. Durante meu período de 41 dias na UTI, fui semissedado. Não podia ficar totalmente sedado, porque nesse caso a função respiratória cairia. Mas eu passava a maior parte do tempo muito dopado, com alucinações. Ao mesmo tempo, tinha um pouco de consciência e voltava”, conta.
Na pior fase da doença, Chiesi chegou a ter 95% dos pulmões comprometidos e foi praticamente desenganado pelos médicos. Tanto que o filho foi autorizado a vê-lo “pela última vez”, representando a família, em uma ala protegida da UTI, através de um vidro.
“Eu lembro muito bem que na fase em que eu estava pior na UTI eu queria morrer, porque não estava aguentando mais. Queria que aquilo acabasse logo. Eu realmente não estava me importando se morresse, porque estava muito ruim”, diz Chiesi. “Cada alucinação que tive nessa fase eu lembro até hoje, porque eram muito reais. Alucinações terríveis, terríveis, nada bonitinhas de você estar andando num campo de propaganda de margarina. Nada disso. Eram de terror, de asfixia…”
Aos poucos, o empresário conta que foi se recuperando. “Aí me trouxeram para a realidade e só então eu fiquei sabendo o que estava acontecendo. Eu não tinha voz, porque estava intubado por tudo quanto é lado. Eu não falava porque estava com traqueostomia, eu tinha tubo no nariz, tubo no pênis, tubo no ânus, com acessos no braço, amarrado…", relata.
"A primeira vez que tinha voltado [à consciência], eu estava totalmente amarrado e não sabia o que estava acontecendo. A enfermeira veio me pedindo calma, para relaxar. Logo depois veio um médico e me explicou tudo. Me acalmei, embora amarrado ainda. Fiquei amarrado por um ou dois dias e lentamente, mais consciente, pedi para me soltarem. Eles só liam meus lábios", completa.
Por causa do trauma vivido na UTI, Ronaldo precisou tomar remédios para depressão e ansiedade. “Tanto tempo na UTI sem estar totalmente sedado é traumatizante porque você tem uma sensação terrível, com a mente confusa. Ali me chamavam de vencedor, de campeão, toda a enfermagem me incentivando muito. Não era só eu, mas os médicos e enfermeiros estavam vencendo a guerra. Eu sentia isso neles.”
Apoio da família
Com o fim do período na UTI, o empresário foi levado para o quarto, onde permaneceu mais 16 dias. Mas, desta vez, ele pôde contar com o apoio da família. Além de Felipe, a filha Olívia e a mulher, Andressa, estiveram sempre presentes. A pior fase já havia passado.
“Minha família toda sofreu muito, meus amigos, também. Nunca pensei que tivesse tantos amigos... Fizeram filmes, campanhas de orações, emanando energia positiva para mim. A Olívia, que trabalha com cinema, resolveu fazer um filminho de tudo isso e contou para as pessoas. Eu vi o filme no hospital e imagina o que não chorei.”
Apesar de não estar totalmente recuperado, ele foi liberado pelos médicos para continuar o tratamento em casa, longe do ambiente hospitalar. “Estou há 40 dias em casa e tenho entre 25% e 30% do pulmão ainda comprometido. Só consigo andar por 10 minutos e depois não consigo mais. Ainda estou no processo de recuperação, fazendo fisioterapia todos os dias”, conta ele, que afirma não tomar remédios nem calmantes, apesar de não poder pegar nenhuma gripe pelo temor de voltar a ser hospitalizado.
“Estou fazendo um trabalho autoconsciente sobre tudo isso e quanto menos remédio tomar, melhor. Meus outros órgãos estão todos preservados, sem sequelas.”
Amor à vida
Em quase dois meses internado, Chiesi chegou a perder 19 kg, mas diz ter recuperado pelo menos 14 kg nos 40 dias seguintes em casa. O que facilitou a recuperação foi o amor que ele tem pela vida, como gosta de frisar.
“Sempre gostei muito da vida, sempre valorizei muito a vida. Só fui mais uma vítima dessa doença terrível, que te pega realmente de surpresa. Me levou para a beira do cemitério rapidamente, uma surpresa porque eu sempre levei uma vida saudável. O que mudou foi a consciência da minha fragilidade, que eu imaginava não ter. Eu pensei que ia pegar essa gripe como uma pessoa muito saudável pega e consegue ter poucos sintomas, mas o meu caso me jogou mesmo no chão.”
O que o deixa triste e revoltado é a falta de consciência de muitas pessoas, que continuam fazendo festas sem proteção, e dos governantes que, segundo ele, deixaram a pandemia chegar a esse ponto.
“Não tinha feito viagem, não sei como contraí a Covid, eu sei que não fui orientado da forma que deveria. Não tenho informações privilegiadas como um governante tem. Imagino que ele devia estar bem informado sobre o que estava acontecendo e ciente da gravidade. É por isso que a gente continua sofrendo.”
Como não há previsão de melhora da situação e do surgimento de uma vacina salvadora, Chiesi passa uma mensagem de consciência e de cuidado para os brasileiros.
“As pessoas precisam tomar todas as precauções, porque por mais saudável que você seja, que tenha uma idade que você julgue que não vai ter nenhum problema, mesmo assim você tem de tomar todas as precauções para não ser contagiado. Você não tem informações para dizer que vai ser resistente e que não vai ter nenhuma complicação. Todo o mundo, até o mais saudável, também está vulnerável.”
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