Arroz e feijão estão perdendo espaço na mesa do brasileiro
Pesquisa mostra que o consumo de alimentos ultraprocessados vem crescendo nos últimos anos
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Tradicional no prato do brasileiro, o arroz com feijão vem saindo de cena e cedendo espaço para uma alimentação baseada em alimentos ultraprocessados, cheios de farinha, como pizzas e lanches.
Isso é o que mostra a POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares) de 2017-18, na comparação com o mesmo levantamento feito em 2008-09, ambos feitos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estarística).
Em dez anos, caiu também o consumo de frutas por parte dos brasileiros, segundo o levantamento. E aumentou a quantidade de pessoas que colocam adoçantes em bebidas.
O que os números mostram pode ser comprovado em uma caminhada pela avenida Paulista (região central) na hora do almoço. Pastel, yakissoba, coxinha e lanches em geral fazem parte do cenário das ruas, de gente apressada e, muitas vezes, sem grana para fazer uma refeição completa.
Morador do Parque Edu Chaves (zona norte), o vendedor Felipe Silva, 26 anos, acompanhou a mãe a uma consulta na região da Paulista. Na hora do almoço, comeu coxinhas. "É o preço, mais barato. Cinco coxinhas por R$ 5", disse.
No dia a dia, a situação não muda muito. Mesmo cercado de frutas nas feiras onde trabalha, Silva opta por pastel duas a três vezes por semana durante o almoço. "A gente, paulistano, vive mais de besteira do que de comida. O normal é ter a pressão arrebentada", fala.
De bicicleta, o entregador Lucas Muniz, 18, leva almoço para cima e para baixo todos os dias, mas troca a comida por bolacha e não lembra qual foi a última vez que comeu uma fruta na vida. Rotina diferente de quando trabalhou em uma padaria e tinha a oportunidade de fazer uma refeição.
Hoje, a necessidade financeira vem em primeiro lugar. "O tempo que vou perder almoçando eu ficaria sem fazer três ou quatro entregas. Daria R$ 20 a R$ 30 a menos por dia", afirma.
A auxiliar de divulgação Beatriz Schaustz, 23, conta que come pastel apenas um dia na semana. O problema vem depois, mais para o fim do expediente, quando bate uma fome inoportuna. "Costumo comer bolacha, muita besteira. É o lanchinho da tarde. É muito fácil e barato de a gente ter.
Fruta é bem raro, porque é difícil de transportar e aqui é mais caro", diz Beatriz.
Da boa alimentação, ela se recorda do tempo de criança na zona leste paulistana. "Na infância, era bem mais fácil. A gente conseguia comprar."
Casal tenta manter alimentação saudável
A atendente de lanchonete Adenália Souza Marinho, 43 anos, e o segurança Edmilson Farias, 48, aproveitaram o dia de folga para almoçar na região da Paulista.
Mesmo distantes de casa, em Barueri (Grande SP), as únicas coisas que fugiram ao velho padrão de alimentação do brasileiro na mesa do casal foram a cervejinha e o refrigerante --zero, sem açúcar. Ambos procuram cuidar da saúde também por meio da comida.
"No dia a dia, a gente também não tem o costume de comer feijão. A batata frita entrou hoje porque veio com o prato", diz Adenália.
As compras do mês não incluem bolachas e doces. Entram no carrinho produtos mais nutritivos. "A gente faz a nossa comidinha em casa. Geralmente, ovo, frango e carne moída. Arroz integral e arroz normal", conta a atendente.
No dia a dia, embora trabalhe em uma lanchonete, Adenália evita os produtos. "Levo minhas marmitinhas. Não como o que tem lá, e tem tudo o que você possa imaginar", fala. Sobre um lanchinho de vez em quando, ela se recorda. "Tem um três ou quatro anos que não como um McDonald's. Consegui manter meu peso e estou feliz assim", diz.
Da mesma maneira que o casal que, até na folga, tenta seguir dieta saudável, nem tudo é motivo para lamento na pesquisa.
Segundo o levantamento, o consumo de refrigerantes, por exemplo, caiu de 23% para 15,4% dos entrevistados em dez anos. Outro dado interessante mostra que as pessoas passaram a comer mais saladas cruas, passando de 16% para 21,8%. Caiu de 40,2% para 36,5% o número de pessoas que comem fora de casa.
Comida industrializada em excesso causa problemas à saúde
A nutricionista e acupunturista Elizabete Presa afirma que hoje, independentemente do poder aquisitivo, aumentou o consumo de produtos industrializados.
"Eles têm adição de sal, gordura e conservantes. Tudo isso prejudica a saúde do indivíduo. Não só a obesidade, mas gordura de fígado, problemas renais e até câncer de pâncreas", afirma.
Segundo Elizabete, mesmo alimentos tidos como "light" têm alto teor de sódio e são inimigos de quem quer se manter saudável.
Coordenadora de nutrição do Ambulim (programa de transtornos alimentares) do Hospital das Clínicas, Fernanda Pisciolaro diz que já nota uma preocupação das pessoas com a alimentação ao mudar hábitos como o consumo de refrigerantes. Ela diz também que os números seriam outros se a pesquisa tivesse sido realizada agora, durante a pandemia. No início, todo mundo acabou virou "masterchef". O problema veio com o dia a dia.
"Conforme foi caindo a ficha, algumas pessoas passaram a se organizar e vejo algumas famílias comendo melhor. Têm preferido comida em casa do que comer fora. Mas uma boa parte ficou perdida com isso. Estava habituada a comer na rua, uma praticidade que, em casa, não tem. O preparo demanda tempo e energia mental", diz.