Cinco meses após início da quarentena, famílias da periferia de SP ainda dependem de doações
Assistência diminuiu nos últimos meses, mas a procura por ajuda permanece na região da Brasilândia, na zona norte da capital
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Em meio à quarentena pelo novo coronavírus, decretada no dia 21 de março, não foram poucas as ações de solidariedade para ajudar a população mais vulnerável. Mas, mesmo com a retomada gradual das atividades, há quem recorra às doações de cestas básicas como a única forma de se alimentar. "É o jeito, porque alimento está muito caro e eu não recebo nenhum tipo de auxílio financeiro [do governo]", afirma o serralheiro Adelson Alves da Silva, 53 anos, que, por ser trabalhador autônomo, teve a renda reduzida praticamente a zero nos últimos meses.
A diarista Anita Solange, 64, também viu o orçamento diminuir na quarentena. "Quase ninguém tem chamado para fazer faxina. É uma vizinha ou outra, no bairro mesmo, mas é muito difícil chamarem. Precisei recorrer à cesta básica", conta ela, que, mesmo sendo do grupo de risco para a Covid-19, procura trabalho como faxineira para ajudar nas contas de casa, já que o marido, também idoso, não conseguiu se aposentar e está desempregado. Assim como Silva, a diarista esteve na fila para receber uma das 150 cestas que foram doadas na manhã desta quarta-feira (26) na Brasilândia (zona norte).
A ajuda tem sido oferecida mensalmente, durante a pandemia, pela Associação Brasilândia/Cachoeirinha. Na ação mais recente, também foram distribuídos 60 frascos de álcool em gel, e aos moradores, além de orientações de prevenção ao coronavírus por parte de profissionais da saúde da UBS Jardim Ladeira Rosa, também foi oferecido um café da manhã e lanches para 100 pessoas.
O líder comunitário Henrique Deloste, 55, que coordena a associação, diz que ouviu de uma mãe, que aguardava para fazer a refeição, que não tinha o que dar para o filho comer em casa. "Geralmente a gente distribui kits de higiene e cestas, mas hoje a gente fez questão de entregar o lanches. O pessoal está apavorado, passando fome. Tinha muita gente chorando na fila", conta. "As pessoas estão procurando emprego, me mandam até currículo, mas o que a gente vê é que não tem trabalho, mesmo. E muita gente está desistindo de procurar, com contas de água e luz acumuladas desde o começo da pandemia", complementa.
Na outra ponta da cidade, na zona sul, Orlando Silva, 44, que é presidente da CUFA (Central Única das Favelas) Parque Santo Antônio, diz que o número de doações vem caindo desde julho. "Creio que, devido à liberação das atividades, o pessoal [que faz as doações à CUFA] está achando que não precisa mais ajudar. Mas a gente ainda vê gente desmaiando de fome e indo morar na rua." Segundo o líder comunitário, a associação chegou a arrecadar 174 mil toneladas de alimento durante a quarentena, mas o número de pessoas ajudando está caindo consideravelmente, embora não saiba especificar quanto.
A mesma percepção tem o padre Júlio Lancellotti, 71, que tem articulado com várias organizações ligadas à Igreja Católica para distribuir doações a pessoas carentes e em situações de rua de diversas regiões da cidade, principalmente na central. "Quando o isolamento era mais rígido, a solidariedade aumentava", afirma o religioso, que também notou queda no número de doadores desde a flexibilização da quarentena. "Mas não dá para dizer que desaparece. Sempre vai ter gente solidária", pontua o presbítero, que tem atuado em grupos como a Casa de Oração Povo da Rua e Missão Belém, na região central da capital paulista.