Periferia de São Paulo sofre com a falta de acesso à internet
Com sinal precário ou inexistente, moradores apelam até para o wifi de estabelecimentos comerciais do bairro
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Capital da grana no Brasil e plenamente integrada aos grandes centros financeiros mundiais, mas também um lugar que ainda não conseguiu conectar parte de seus moradores à internet. Assim é São Paulo vista dos extremos de sua periferia, onde o Agora esteve durante a semana e constatou que o acesso à rede é precário ou inexistente para quem vive nas bordas da cidade.
Levantamento feito pela Fundação Seade e pelo Cetic (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação) serve de base para essa percepção, apontando que 42% dos domicílios (825 mil moradias) em situação de alta vulnerabilidade na Grande São Paulo não contam com banda larga fixa. Resta então a conexão móvel, via chip, nem sempre presente ou estável.
“Isso tende a aprofundar desigualdades que a gente já tem. Pessoas ficam sem enviar currículo, sem realizar pesquisa escolar ou receber aulas a distância. É mais um direito que tem de ser conquistado a duras penas”, diz a chefe de divisão de estudos especiais do Seade, Lilia Belluzzo.
Solidário
O que salva é a solidariedade. O Bar do Bebê virou uma espécie de ponto de acesso compartilhado após o número 10.000 da estrada do M’Boi Mirim (zona sul). É de lá que sai o sinal que conecta cerca de 40 vizinhos ao mundo. “Por causa da maquininha [de cartão], tenho que ter wifi, senão perco clientes. Passo a senha e os moleques ficam aqui todos os dias, estudando ou jogando. A gente tem que ajudar, na confiança”, afirma o comerciante Jailton Souza, o Bebê, 45 anos.
Barman, garçom, sushiman e cozinheiro, Denis Silva, 31, está desempregado e depende da internet de Bebê para buscar um trabalho. “Tenho muitos contatos e converso pelo Whatsapp. Não tenho como pagar internet agora”, diz.
Empresas alternativas são a solução
Onde o sinal via chip não chega, os moradores muitas vezes são obrigados a contratar planos de internet de empresas alternativas para ter a banda larga em casa. É o que acontece, por exemplo, com o borracheiro Lenoir Honório dos Santos, o Jabá, 61 anos, que paga R$ 100 para ligar a fibra ótica na encosta da serra da Cantareira, já no alto do morro, no Jardim Damasceno, localizado na região da Brasilândia (zona norte).
Quase ao lado das obras do futuro trecho norte do Rodoanel, Jabá aponta para a caixinha no poste como a salvação. “Tenho três netos, minha turma toda aqui. A gente depende deles [da empresa alternativa], senão não dá. Principalmente agora na pandemia. A internet deles é boa”, afirma.
O autônomo Jonathan Paulino Morais, 29, será vizinho de Jabá, mas já se certificou de que terá internet na casa ainda em construção. “Os filhos querem ver Netflix, Amazon”, diz. Atualmente, ele mora na avenida Daniel Cerri, no mesmo bairro, onde paga R$ 72 pela banda larga.
Na divisa entre a capital e Ferraz de Vasconcelos (Grande São Paulo), também foi a internet fornecida por empresa alternativa que evitou o “apagão” na casa da auxiliar de limpeza Fernanda Fernandes, 34.
Foi o jeito encontrado por ela para que os filhos, de 8 e 14, pudessem acompanhar aulas online. “O sinal de chip é uma porcaria, terrível”, diz. “Vai fazer uma pesquisa, vai assistir um vídeo e não consegue”, completa Fernanda.
Mesmo para conseguir a banda larga a luta é grande. “Não são todas as ruas que têm internet com fibra. Liguei para todas as operadoras e nada. Tive que buscar a de uma empresa pequena”, afirma Fernanda.
Ausência de sinal deixa na mão alunos e profissionais
Na periferia, a precariedade da internet aparece até na hora da morte. Quando familiares de alguém que morreu precisam pagar as taxas no Cemitério do Lageado, em Guaianases (zona leste), muitas vezes o sinal da máquina desaparece. “Tem dia que some tudo. Temos que sair para o meio da quadra, com a máquina na mão, para passar o cartão da família”, diz o funcionário público Job dos Santos Filhos, 53 anos.
Quem vive na região sofre tanto pelo momento econômico complicado quanto pela falta de infraestrutura da internet.
“A situação está difícil e eu não tenho celular. Minha sogra tem, mas o sinal não chega sempre”, diz a atendente Tatiana Silva, 34, mãe de duas crianças, 8 e 11 anos. “Esse negócio de aula online, esquece. Tenho os livros em casa e a gente vai tocando, fazendo o que dá. Não tem como se comunicar com a professora. Bem falando, meus filhos já perderam o ano.”
No outro extremo, no Jardim São Luiz (zona sul), a internet tem até hora para chegar. “É uma negação. Às vezes, só aparece depois da meia-noite”, diz a encarregada de obra desempregada Lenilda Araújo, 42, moradora de uma viela da avenida Fim de Semana. “A minha menina está no quarto ano e não consegue estudar pela internet. Por aquele Google Play, não consigo baixar nada no celular”, conta.
Vizinha de Lenilda, a auxiliar de limpeza Márcia Melo, 52, acordou antes das 5h no último dia 17 e tentou entregar currículos na Sé, República (região central) e Pinheiros (zona oeste). Voltou para casa com o aviso de que precisava mandar pela internet. “Só por email.”
Sindicato cobra leis mais modernas
A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) diz que controla a qualidade das redes. O SindiTelebrasil, representante das grandes operadoras de internet, afirma que para a expansão dos serviços e a cobertura adequada de sinais é preciso modernizar as leis municipais, para contemplar a crescente demanda por serviços e as novas tecnologias, “especialmente o 5G, que vai exigir um número cinco vezes maior de antenas que o 4G”.
Já os pequenos provedores de internet afirmam que a carga tributária e a dificuldade de acesso a crédito são alguns dos entraves para melhorias.
A Prefeitura de São Paulo diz que trabalha para a expansão de redes de wifi público. O governo estadual afirma que foi disponibilizado ensino a distância com internet gratuita para 3,5 milhões de alunos e 190 mil professores.