Cerca de 12 mil alunos trocam escola particular por estadual em SP
Número é 20% maior que em 2019 no estado, de acordo com o governo João Doria; crise financeira provocada pelo coronavírus é o principal motivo
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
Cerca de 12 mil alunos foram transferidos de escolas particulares para a rede estadual de ensino em São Paulo, entre janeiro e agosto deste ano, em meio à pandemia da Covid-19. Isso representa um aumento de 20% em relação ao mesmo período do ano passado, quando 10 mil estudantes saíram de colégios pagos, transferidos para unidades de ensino públicas. Os dados são da Secretaria Estadual da Educação, gestão João Doria (PSDB).
Uma das principais motivações para as transferências é a incerteza econômica provocada pela quarentena do novo coronavírus, que completou seis meses no último dia 24, e o desemprego, segundo relataram pais de estudantes, especialista em educação e o próprio governo.
Henrique Pimentel, subsecretário de Articulação Regional da Secretaria Estadual da Educação, do governo João Doria (PSDB), afirmou que o aumento de transferências neste ano já era esperado desde o início da quarentena. “Os pais [de alunos] perderam emprego, tiveram mudanças na vida e precisaram optar pela transferência para a escola pública. Isso aconteceu em vários lares do estado de São Paulo”, afirmou.
Ele explicou que o recomendado é o estudante concluir o ano letivo na mesma instituição onde começou. Porém, Pimentel admitiu ter ciência de que muitos não poderiam fazer isso e, consequentemente, “houve um aumento significativo” no número de transferências para a rede estadual de ensino.
Pimentel disse que a Secretaria da Educação mudou o sistema de matrículas, antes presenciais, para o modelo on-line e isso facilitou a vida de quem migrou do ensino pago para o público. “Os trâmites são feitos 100% pela internet, que indica as escolas mais próximas [do futuro aluno] onde há vagas”, explicou.
Segundo ele, a rede está pronta para receber todos os alunos transferidos de escolas particulares. O problema é ter vaga na escola mais próxima. Em todos os municípios paulistas, a rede pública estadual tem cerca de 3,5 milhões de alunos matriculados, de acordo com a secretaria.
Em nota, a secretaria disse que as matrículas on-line são para 2020. "As matrículas para 2021 ainda não estão abertas. Já as transferências entre redes públicas estão temporariamente suspensas e devem ser retomadas após o retorno das aulas presenciais", afirma. Os pedidos de transferência podem ser feitos durante o ano todo.
No último dia 18, Doria afirmou que o estado permitirá a retomada das aulas presenciais para 7 de outubro para o ensino médio e para a educação de jovens e adultos (EJA) no estado, tanto na rede estadual quanto na privada. A palavra final, contudo, caberá ao prefeito de cada município.
Opção
A secretária Cristiane da Costa Azevedo, 51 anos, contou que sua filha, Liz Azevedo e Silva, 16, sempre frequentou escolas particulares. Moradoras da região da Vila Madalena (zona oeste da capital paulista), ambas conheceram o ensino público após a decretação da quarentena provocada pela pandemia da Covid-19, em 24 de março.
Antes do novo coronavírus, a adolescente cursava o ensino médio em uma escola paga na região da Liberdade (centro), cuja mensalidade custa cerca de R$ 2.000. “Até março, estava tudo bem. Mas quando minha filha precisou iniciar as aulas on-line [por causa da pandemia], percebi que o investimento não valeria à pena”, explicou Cristiane.
Segundo a secretária, o principal diferencial da escola particular em que a adolescente estudava para a pública, é a infraestrutura oferecida aos alunos, não mais disponível desde o início da quarentena. “Minha filha ficava quase que o dia todo na escola. Fazia aulas extras, como de robótica e dança. Mas desde o início do isolamento isso acabou.”
Cristiane admitiu ter ficado surpresa, positivamente, quando realizou a transferência da filha, na primeira semana de julho, para a Escola Estadual Professor Manuel Ciridião Buarque, que fica a poucos minutos de caminhada da casa dela, apesar de a adolescente não precisar ir até lá, porque o ensino ainda está sendo feito remotamente. “A transferência foi muito rápida [pela internet]. E a coordenação da escola é muito atenciosa”, afirmou.
Ela disse ainda que, vai avaliar se a filha retornará para a rede particular, após o fim da pandemia da Covid-19.
No município
E a migração ocorre também para o ensino público municipal. Depois de perder cerca de 90% de sua clientela, a diagramadora Priscilla Vargas Azevedo de Lima, 40, transferiu a matrícula da filha Rebeca Vargas Azevedo de Lima, 4, para uma escola municipal, após a criança frequentar, desde 2018, uma instituição particular, de ensino infantil, a poucos metros de casa, na Aclimação (centro).
A mudança de unidade, explicou Priscilla, foi feita em maio pela internet. “Foi fácil e rápido. O problema é que minha filha, por causa da idade, não tem disciplina para fazer aulas remotas”, explicou.
A mãe decidiu parar de pagar a mensalidade de R$ 1.300 para evitar contrair uma dívida, segundo ela, desnecessária. “Minha filha é muito nova. Caso tivesse mais idade e, consequentemente, mais disciplina para assistir nas aulas pela internet, poderia ter tomado uma decisão diferente [sobre a transferência]”, ponderou.
A Prefeitura de São Paulo, gestão Bruno Covas (PSDB), afirmou que atualmente há 11.514 pedidos de matrículas para todas as idades na página da Secretaria Municipal da Educação. “Os pedidos não são separados entre novos alunos ou transferências”, explica trecho de nota, que não afirmou se o número é maior que o do ano passado.
No início de agosto, o Agora mostrou que a administração recebeu 5.848 pedidos de matrículas para o ensino infantil entre maio e julho deste ano, durante a pandemia do novo coronavírus. O número é 28% maior do que as 4.561 solicitações feitas no mesmo período do ano passado.
O governo municipal disse ainda que o pré-cadastro está disponível para todos os interessados “e não somente para alunos migrados da rede privada.”
Públicas podem ter boas opções, afirma especialista
Rubens Barbosa de Camargo, especialista em política educacional, afirmou que o desemprego, provocado durante a pandemia, aliado ao não recebimento de auxílios emergenciais do governo por muitas pessoas, contribuem para o aumento das transferências para a rede estadual de ensino. “Com isso, os estudantes não perdem o ano letivo e os pais não contraem uma dívida que pode ter o efeito de uma ‘bola de neve’”, afirmou.
Camargo, que também é professor da Faculdade de Educação da USP (Universidade de São Paulo), acrescentou que escolas públicas podem oferecer educação de qualidade quanto algumas particulares. “É disseminado na TV, rádio, jornais, até na igreja, que as escolas particulares são melhores que as públicas. Uma minoria, dentro do universo das milhares de instituições pagas, até pode ser. A imagem sobre o desempenho das escolas particulares é relativa a uma parcela delas, não à maioria", afirmou.
Ele mencionou “a surpresa positiva” que muitas famílias têm ao constatar a qualidade do ensino de instituições públicas. “Algumas pessoas percebem [com as transferências de matrículas] como estavam equivocadas com relação às escolas públicas.”
Diretora divulga informação falsa
A diretora de uma escola estadual, da zona sul da capital paulista, deixou pais e alunos apreensivos, após fazer um alerta em vídeo, na semana passada. No registro, a educadora afirma, erroneamente, segundo o governo Doria, a transferência de 17 mil estudantes para a rede estadual. Isso, segundo ela, colocaria em risco as vagas de alunos, já matriculados anteriormente, e que eventualmente não fazem atividades de educação à distância, pela internet, nas aulas on-line por causa da pandemia do novo coronavírus.
“Os professores precisam gerar nota em cima das avaliações, das atividades que fazem [com os alunos]. Não havendo atividades, ou avaliações, o sistema entende serem alunos desistentes. Aluno desistente sai da lista [de matriculados]”, afirma a educadora em trecho do vídeo.
Além disso, ela ainda orienta pais e alunos a comprarem máscaras e uniformes para os estudantes, disponibilizados na escola dirigida por ela. A unidade teria, inclusive, divulgado em um cartaz valores das peças dos uniformes.
A Secretaria Estadual da Educação afirmou “não compactuar com a conduta da diretora”. A pasta acrescentou ter aberto uma apuração preliminar sobre o caso. “É importante ressaltar que nenhum aluno ficará sem vaga por não conseguir entregar as atividades do ensino remoto ou por qualquer outro motivo. Todos são acolhidos e tem vaga garantida na rede pública”, diz trecho de nota.
Ainda segundo a secretaria, tanto máscaras, como qualquer outro insumo usado pelos alunos, serão distribuídos gratuitamente aos estudantes, assim que as aulas presenciais forem retomadas na rede estadual de ensino, a partir de 3 de outubro.
A gestão tucana afirmou que irá distribuir para as escolas de São Paulo 12 milhões de máscaras de tecido, 300 mil protetores faciais de acrílico, 10.168 termômetros a laser, dez mil totens de álcool em gel, 221 mil litros de sabonete líquido, 78 milhões de copos descartáveis, 112 mil litros de álcool em gel, além de 100 milhões de unidades de papel toalha.