Trava em sistema impede divulgação de casos de coronavírus em SP
Campo sobre raça/cor de pacientes passou a ser de preenchimento obrigatório na plataforma do Ministério da Saúde, mas nem todos laboratórios enviam informação
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Uma trava no sistema notificador de casos de Covid-19 do governo federal, o e-SUS VE, tem dificultado a inserção de informações sobre pacientes que testaram positivo para o novo coronavírus pela Vigilância em Saúde de São Paulo, da Secretaria Municipal da Saúde, gestão Bruno Covas (PSDB).
Segundo servidores pasta, que pediram para não ter nomes divulgados, no último mês de maio, a plataforma passou a incluir o campo "raça/cor" como sendo de preenchimento obrigatório.
Um funcionário da Covisa (Coordenadoria de Vigilância em Saúde) diz que o SUS (Sistema Único de Saúde) já costumava pedir informações como essas em outros procedimentos, então a rede pública não teve trabalho para reportar os dados, mas o problema passou a ocorrer com alguns laboratórios particulares, que enviam respostas incompletas para a Vigilância em Saúde do município. Ele afirma ter milhares de testes positivos represados pela falta dos dados, que não consegue inserir no sistema.
Outra funcionária da Covisa confirma o problema. Segundo ela, a questão de raça ou cor é autodeclaratória. E como nem sempre o documento chegará com a resposta porque o paciente não informou, o ideal seria que o sistema do Ministério da Saúde tivesse um campo extra, o de "ignorado", para que a falta da resposta não impedisse a notificação.
A secretaria confirmou que a exigência do preenchimento obrigatório do campo raça/cor no e-SUS é de maio de 2020 e que não existe a opção de resposta "ignorado".
A administração municipal explica que os laboratórios enviam as planilhas de resultados para a Vigilância em Saúde, que faz a conferência se os casos estão notificados pelo local de atendimento, procedimento que, segundo a prefeitura, é obrigatório, e consolidam as informações no banco de dados.
"Quando um caso não é notificado pelo local de atendimento, é possível fazer a notificação a partir dos dados de laboratório, e é neste ponto que as informações podem não ser adequadamente registradas na plataforma e-SUS VE, por falta de dados provenientes dos mesmos para inserir no campo obrigatório de raça/cor", afirma a secretaria.
Em nota, o Ministério da Saúde afirma existir a opção “ignorado”, ao contrário do que diz a administração municipal e os servidores ouvidos pela reportagem. A pasta não respondeu quando questionada pelo Agora se o campo foi inserido recentemente.
O presidente do Sindsep-SP (Sindicato dos Servidores Municipais de São Paulo), Sergio Antiqueira, afirma que verificou com trabalhadores da Covisa que conhecem o sistema e-SUS e confirmou que existe o entrave no preenchimento. "Essa dificuldade ocorre desde maio, o que vem aumentando ainda mais a questão da subnotificação de casos da rede privada. São milhares de casos que deixam de ser notificados, afetando o número total que é divulgado", afirma.
Ainda segundo o líder sindical, o problema não afeta as notificações de mortes por Covid-19, que são feitas por outro sistema.
Ele afirma, no entanto, que especificamente sobre a Covisa em São Paulo, há outra questão que afeta a verificação e a inserção de dados de testes positivos. Trata-se da recente transferência, por parte da prefeitura, de 257 funcionários do órgão municipal para outros departamentos da secretaria, publicada em uma edição suplementar do Diário Oficial da Cidade duas horas antes de entrar em vigor a lei eleitoral que proíbe esse tipo de transferência pelos próximos três meses. A mudança provocou protestos de servidores e o TCM (Tribunal de Contas do Município) pediu explicações ao secretário José Aparecido dos Santos.
De acordo com Antiqueira, a partir da mudança, a DVIS (Divisão de Informação de Vigilância em Saúde), que contava com 12 servidores ao todo, teve 50% de sua força de trabalho técnico removida de suas funções. "Isso implica em impactos, prejuízos e demora na análise, tratamento e publicação dos dados da Covid-19, devido à perda de funcionários com experiência em trabalhar com monitoramento de casos leves, graves e óbitos pela doença", diz.
Wilson Shcolnik, presidente da Abramed (Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica), entidade que representa os laboratórios, diz que, com a pandemia, as unidades passaram a ter de notificar, em 24 horas, todos os resultados de testes para a Covid-19, tanto para o Ministério da Saúde, quanto para estados e municípios. Com milhares de coletas sendo feitas todos os dias "e a falta de padronização de cada uma das esferas, os laboratórios viram uma situação caótica", afirma . Ele diz ainda que o sistema e-SUS é burocrático e que exige "um compilado de dados que os sistemas não costumam ter em seus atendimentos".
Entretanto, o executivo afirma que, após movimentações feitas pelo poder público, atualmente as grandes redes de laboratórios da associação já estão seguindo um padrão de notificação para enviar milhões de resultados.
Resposta
O Ministério da Saúde diz em nota que a Portaria nº 344, de 1º de fevereiro de 2017, prevê o preenchimento obrigatório do quesito de raça ou cor nos formulários dos sistemas de informação em saúde. "Como se trata de uma variável autodeclarada, caso não seja possível a categorização deste campo para preenchimento, o notificador não pode deixar em branco. Para esses casos, existe a opção de inserir a informação 'ignorado', opção que é apenas para as exceções e não deve ser utilizada como regra", afirma.
Sobre as afirmações do sindicalista, a Secretaria Municipal da Saúde diz que "as bases de dados que registram os casos de Covid-19: Esus-VE e SIVEP-gripe são utilizadas pelas unidades da Supervisão de Vigilância e Saúde regionais e hospitais, respectivamente." "Desta forma, o processo de descentralização da Covisa não trará prejuízo ao registro de dados", afirma.
"A análise, tratamento e publicidade dos dados relativos à Covid-19 não é realizada exclusivamente por uma única equipe técnica mas sim por várias áreas da Secretaria Municipal da Saúde", dia a nota da gestão Bruno Covas.