Cresce a procura por aulas de música durante a quarentena
Alunos afirmam que pretendem manter o novo hábito; venda de instrumentos também subiu
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Iniciada há mais de sete meses, a quarentena provocada pela pandemia de Covid-19 modificou rotinas e alterou hábitos. Com mais tempo livre, muitas pessoas passaram a se dedicar a novas atividades e a explorar habilidades até então desconhecidas. Entre essas ocupações, a música ganhou um papel de destaque entre moradores da capital e Grande São Paulo.
Na comparação entre o período de abril a setembro de 2020 com o mesmo intervalo do ano passado, o número de buscas por professores de música que dão aulas online subiu 93% em todo o estado de São Paulo no GetNinjas, que é uma plataforma para contratação de serviços. Na Grande São Paulo, a alta foi de 41%. Os cursos mais procurados foram de violão, canto e teclado.
O crescimento na busca por aulas também impulsionou a demanda por instrumentos musicais. Segundo a B2W, o site Americanas.com registrou um aumento de 105% nas vendas na capital entre março e setembro deste ano ante o mesmo período de 2019. No estado, o crescimento foi de 76%.
Apesar de o hobby ter sido iniciado durante a pandemia, os novos alunos ouvidos pela reportagem afirmam que pretendem continuar com a prática mesmo depois de a situação sanitária no Brasil ser normalizada.
Morador de São Bernardo (ABC), o engenheiro André Conrado Costa, 35 anos, comprou uma bateria em maio e, em seguida, começou a fazer aulas pela internet com um professor de Minas Gerais.
"Eu nunca tive experiência anterior com aula online, mas achei legal. Mesmo do outro lado, o professor percebe quando alguma coisa está errada e o que pode melhorar. Ele nota, inclusive, quando o instrumento está desafinado", diz o aluno, que afirma que o novo hábito deve continuar após a pandemia.
Costa relata que estava buscando um apartamento para se mudar, mas que agora, por causa da bateria, procura uma casa, justamente por ter mais espaço e liberdade para tocar.
O ator Bruno Gadiol, 22 anos, aproveitou a pandemia para estender seus conhecimentos musicais. Cantor profissional, inclusive com participação em programas de televisão, ele comprou um teclado em junho e logo iniciou as aulas pela internet. Ele avalia que o aprendizado do instrumento o ajudará nos processos de composição.
Gadiol também não pretende parar de tocar após o término da quarentena. "Não é só pela pandemia. É importante para mim e para minha formação. A ideia é que eu aprenda e me sinta confiante. Eu quero estar no palco e tocar minha música."
A empresária Raquel Molina, 38 anos, já fazia aulas de teatro e, há cerca de um mês e meio, começou a estudar canto e violão. Na opinião dela, as aulas ajudarão a melhorar seu desempenho nas artes cênicas, principalmente por aprender a usar melhor a voz.
Para a administradora de empresas Jéssica Melo, 28 anos, que começou a estudar teclado há alguns meses, a introdução da música em sua vida trouxe resultados até no trabalho, pois, segundo ela, houve melhora da concentração. "É quase como uma terapia", comenta.
"Preconceito" contra EAD
Professores de música consideram que a quarentena ajudou a diminuir o preconceito contra o EAD (Ensino a Distância), especialmente no aprendizado musical. Na avaliação dos docentes, ainda havia uma grande resistência dos brasileiros em relação ao ensino virtual.
"Era muito raro um aluno buscar aula online. Tenho certeza que a pandemia contribuiu para a mudança de cultura", diz o professor Luiz Camilo, 30 anos. Na visão dele, as pessoas tinham dúvidas sobre a qualidade das aulas a distância. Desde o início da quarentena, a busca por seus serviços mais do que dobrou.
Camilo, que é professor particular, cita outro atrativo para as aulas online: o preço. Ele ressalta que consegue cobrar de 30% a 40% menos para os alunos virtuais, justamente por não ter os custos de deslocamento.
Músico e professor de bateria, Bruno Gontijo Costa, 33 anos, nunca havia dado uma aula online antes da pandemia. Até março, quando começou a quarentena, tinha 18 alunos. Hoje, o número subiu para 28.
Durante as aulas, Costa orienta aos estudantes para que mantenham um notebook ou celular com câmera ligada ao lado da bateria, de modo que ele, ao vivo, possa visualizar a execução dos movimentos, identificar erros e sugerir melhorias.
Na EM&T (Escola de Música & Tecnologia), na zona sul de São Paulo, a direção optou por um modelo híbrido, com aulas presenciais e virtuais. "Deixamos como opção do aluno: quem se sentir à vontade para ter aula presencial pode vir", diz o diretor Aaron Matsumoto, 47. Atualmente, cerca de 65% dos estudantes ainda estão estudando de maneira online.
Segundo Matsumoto, o número de alunos na escola subiu 18% na pandemia. Para engajar os alunos durante o isolamento, a tática foi fazer cursos extras pela internet e lives com os professores.
Outro modelo de aprendizado online são os cursos gravados, em que o aluno acessa o conteúdo quando quiser, mas sem estar ao vivo com o instrutor. Um dos professores que utiliza esse sistema é o tecladista Milo Andreo, 37 anos. De acordo com o músico, as vendas de cursos mais do que triplicaram desde o início da pandemia. Por outro lado, Milo é dono de uma escola presencial no bairro do Brooklin, zona sul de São Paulo, que registrou queda nas matrículas.
"A maioria dos novos alunos dos cursos online relatou que queria aproveitar melhor o tempo a mais durante a quarentena", comenta o tecladista. Na opinião dele, a maior parte dos novos estudantes deve continuar a estudar música quando a situação for normalizada.
Benefícios da música
Para a psicóloga Silvia Cury, gerente de Psicologia do HCor, os benefícios oferecidos pela música explicam o porquê de essa atividade ter tido aumento de procura durante a quarentena.
Segundo a especialista, a música evoca emoções que são ativadas em partes específicas do cérebro, como córtex e cerebelo, melhorando o humor, a atenção e a concentração.
"A música faz bem para o ser humano. Por meio dela, podemos recordar momentos ou pessoas de uma forma saudável. Ela traz lembranças do passado que nos fazem ficar mais felizes, trazem saudade e nos emocionam", comenta a psicóloga.
Cury explica que a quarentena fez com que as pessoas tivessem de reorganizar suas rotinas e, com mais tempo disponível, buscassem novas ocupações. "Este foi um período que muita gente parou para rever coisas que sempre deixaram de lado, por não haver tempo de fazer."