Voluntários dizem confiar em vacinas contra a Covid-19
Profissionais da saúde que se submeteram a testes em São Paulo dizem estar 'fazendo história'
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Para que seja aprovada e disponibilizada à população, uma nova vacina deve passar por várias etapas de testes até que se comprove sua eficácia e segurança. No Brasil, mais de 30 mil pessoas receberam doses experimentais das vacinas contra a Covid-19. Voluntários ouvidos pela reportagem dizem não ter medo de participar das pesquisas e consideram estar fazendo parte de um momento histórico.
Em São Paulo, o Instituto Butantan comanda os testes da CoronaVac, que é desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac. As doses experimentais estão sendo aplicadas em profissionais da saúde que tenham contato com o novo coronavírus. A testagem começou no dia 21 de julho.
"Achei importante fazer parte do grupo de pesquisa porque é um momento histórico que estamos passando. Nunca se viu uma pandemia desse tamanho", diz a enfermeira Mônica Calazans, 54 anos, que trabalha na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do hospital Emílio Ribas. Ela tomou a segunda dose no dia 28 de agosto e disse não ter tido nenhum sintoma.
A enfermeira Renata Ziemer, 43 anos, considera um "privilégio" participar da pesquisa. Ela afirma que não teve medo ou receio de passar pela testagem da CoronaVac. "O Instituto Butantan não iria entrar num estudo que não confiasse. Hoje eu tenho mais medo de andar de metrô do que de ter tomado a dose", relata a profissional, que também garante não ter sentido nada após a aplicação.
A médica Renata Panzani de Moraes Barros, 56 anos, conta que teve pessoas próximas a ela que reagiram com espanto quando souberam da sua decisão de se submeter aos testes. "Falaram que eu era louca, até porque tinha o negócio de [a vacina] ser da China. Eu falei que a gente não pode ter esse medo e que a ciência é o que interessa", lembra a profissional, que trabalha no Emílio Ribas.
Gestora de uma clínica em Santo André (ABC), a bióloga Cristina Piratininga Jatobá, 57 anos, é voluntária na testagem da vacina desenvolvida pelo laboratório AstraZeneca, em parceria com a universidade de Oxford, na Inglaterra. Cristina assegura que, mesmo tendo recebido as duas doses, continua mantendo "cuidados redobrados" contra o novo coronavírus. "Ainda mais porque não sei se tomei a vacina, de fato, ou um placebo", explica.
No Brasil, os experimentos com a vacina de Oxford são liderados pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). Há ainda duas outras substâncias sendo estudadas no Brasil, das empresas Pfizer e Janssen-Cilag.
Parte dos testados recebe dose falsa
Os protocolos de desenvolvimento de uma nova vacina preveem que os voluntários que se submeterem aos testes sejam divididos em dois grupos: um deles recebe uma dose real da vacina. No outro, é aplicada uma substância sem efeitos, conhecida tecnicamente como placebo. Tanto o aplicador quando o paciente não sabem com qual delas estão lidando.
Voluntário da pesquisa de Oxford, o médico Cesar de Almeida Neto, 56 anos, explica que, no caso do grupo que recebe o placebo, na primeira dose é aplicada vacina contra a meningite. Na segunda, é injetada uma solução salina. "Somente no fim do estudo é que ficamos sabendo qual tomamos", diz ele, que garante não ter sentido sintomas após tomar a injeção.
O médico pediatra June Ho Lee, 57 anos, também tomou a vacina de Oxford. Ao contrário do colega, ele conta que sentiu "só um pouco de dor de garganta" depois da aplicação. Ele diz que os voluntários são orientados a não realizar exames para detecção da Covid-19 após o início dos testes, pois os resultados podem acusar se a pessoa tomou a dose real ou o placebo.
No caso da vacina de Oxford, os voluntários farão, ao todo, nove visitas à Unifesp para a realização de exames, cuja finalidade é detectar o desenvolvimento, ou não, de anticorpos contra o novo coronavírus. Os participantes também ficam em contato com os organizadores da pesquisa por WhatsApp para que relatem como estão se sentindo no decorrer do estudo.
Rapidez
O desenvolvimento da vacina contra a Covid-19 chama atenção pela rapidez com que as pesquisas vêm sendo executadas. De acordo com o cientista Thiago Miranda da Silva, professor de microbiologia e imunologia da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de Campinas, geralmente uma vacina leva de dez a 15 anos para ser aprovada.
Segundo ele, o procedimento foi acelerado no caso da Covid-19 em razão da gravidade da pandemia. Na opinião do especialista, o principal problema é que não se sabe ao certo quanto tempo irá durar a imunização contra o novo coronavírus no organismo do paciente após receber a dose da vacina.
"Por esse motivo, é imprescindível que, mesmo após a vacinação, os cuidados contra o vírus continuem. Nós não tivemos tempo de ver se a vacina é eficaz", alerta. Ele acrescenta que é possível que se descubram, posteriormente, efeitos colaterais, mas que "no caso, os benefícios vão compensar o risco". Isso porque, segundo Silva, os laboratórios "dominaram a tecnologia do desenvolvimento de vacinas seguras".
O professor explica que o primeiro passo para a criação de uma vacina é isolar o vírus e estudar sua composição, além de pesquisar nas pessoas doentes que tipo de anticorpos elas criaram. Há diferentes métodos de vacinas. Uma delas é deixar o vírus inativo, sem capacidade de infecção, mas com moléculas que ativam a resposta imunológica.
"O importante é que as pessoas se conscientizem da importância das vacinas. A cobertura vacinal de doenças como sarampo, rubéola e paralisia infantil está muito abaixo do ideal. As doenças estão circulando fora do Brasil e podem voltar para cá. Vacina salva vidas", reforça o especialista.