Apesar de dividir opiniões, tatuagens no rosto conquistam as ruas

Pessoas com tatuagens na face relatam que familiares são a principal barreira para a decisão de marcar permanentemente a pele

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São Paulo

As motivações para fazer tatuagens são as mais diversas. Elas podem ser homenagens, registrar histórias ou ser apenas resultado do desejo de consolidar a arte na pele. Em uma rápida passagem por galerias do centro de São Paulo, é possível notar que as tatuagens reúnem cada vez mais adeptos, alguns deles tatuados em uma parte do corpo que divide opiniões: o rosto.

Aqueles que contam com desenhos no rosto relatam já estar acostumados com olhares de estranhamento nas ruas e no transporte público. Mães, pais e avós são os principais protagonistas da negação e de um sentimento de aversão ao descobrirem que alguém da família tatuou a face.

"Minha avó me fez prometer que eu não iria tatuar o rosto enquanto ela estivesse viva, então não é uma possibilidade", diz a tatuadora Mariana Fiore, 28.

A profissional, todavia, já fez trabalhos nos rostos dos outros. Segundo Fiore, é uma região um pouco delicada, com uma pele mais elástica, mas, no geral, não há problemas na hora de tatuar.

"Dependendo da parte do rosto escolhida, é onde a pessoa franze quando está sentindo dor. Então, a pessoa precisa estar bem relaxada para que a gente consiga fazer isso sem que atrapalhe o traço", explica.

A dor do procedimento na face pode variar dependendo da pessoa que está sendo tatuada e do local. "Dói muito pouquinho, quase nada. Eu sofro muito mais fazendo a sobrancelha", conta a body piercer Tamiris Marques, 28.

A body piercer Tamiris Marques, 28, com suas tatuagens no rosto e na cabeça. - Adriano Vizoni/Folhapress

Tamiris tem sete tatuagens pequenas espalhadas pelo rosto, além de desenhos na cabeça e no pescoço. Ela conta que a decisão de tatuar a face veio após ter os braços e pernas inteiramente cobertos com a pintura permanente.

"Sempre me segurei muito por causa da minha mãe. Fiz a primeira e, quando minha mãe viu, ela falou 'sério? Na cara? Eu falei tanto pra você não tatuar a cara'", relata. Aos poucos, segundo Tamiris, a mãe e a família entenderam e acostumaram-se.

Por trabalhar com piercings há 13 anos, ela explica que as tatuagens nunca foram um problema em sua ocupação. Todavia, conta que trabalhou por um período em uma agência de fotografia e, para alguns eventos, precisava esconder as tatuagens embaixo das roupas que usava.

"Era algo bem conservador. Hoje em dia, com as tatuagens no rosto, eu com certeza nem seria contratada", diz.

Atualmente, as tatuagens podem ser encontradas no rosto de vários artistas. Na área musical, a arte replica-se entre intérpretes do funk e do rap.

Recentemente, o humorista Whindersson Nunes tatuou as iniciais do filho João Miguel —morto após um parto prematuro— e outras imagens, na face. No fim de 2020, o funkeiro MC Rick pintou o personagem João Frango no rosto.

Em 2003, quando a pintura permanente ainda não era tão difundida, o boxeador americano Mike Tyson surpreendeu a todos com uma tatuagem tribal que, até hoje, é sua marca registrada.

Quando o Whindersson Nunes divulgou que havia feito tatuagens no rosto em homenagem a seu filho, a tatuadora Mariana Fiore comemorou. "Quando um artista que atinge uma massa de pessoas e é visto como uma pessoa boa tatua o rosto, isso faz as pessoas perceberem que aquilo não está relacionado a pessoas pobres, periféricas ou criminosas", explica.

"Quanto mais tatuagens as pessoas famosas tiverem, mais isso será bem visto. Acho que estamos fazendo um trabalho de formiguinha para que as pessoas aceitem cada vez mais", defende Tamiris.

Tatuagem no rosto ainda é tabu no mercado de trabalho

Para especialistas da área de recursos humanos, a aceitação das tatuagens na face dentro do mercado de trabalho varia de acordo com o perfil da empresa contratante e a área de atuação.

"Não existe uma receita de bolo. Hoje, empresas da área de tecnologia, comunicação e startups estão bem abertas e tatuagem não parece ser um problema. No entanto, existem empresas em ramos mais conservadores que restringem isso sim", diz Ester Gomes, especialista em recrutamento e seleção.

Segundo Gomes, quando a tatuagem é no rosto, há um tabu maior. "Às vezes, não choca nem a empresa, mas, quando a pessoa vai trabalhar com público, pode incomodar um cliente", explica.

Ela sugere que os recrutadores utilizem as tatuagens como forma de conhecer melhor o candidato à vaga de emprego. "Se você trabalha em um empresa em que a premissa é não contratar pessoas com tatuagens no rosto, aí não tem jeito. Mas as tatuagens podem dizer muito sobre a pessoa, seus valores", defende.

Lucedile Antunes, mentora de carreira e consultora organizacional, argumenta que as pessoas com tatuagens não devem deixar de tentar uma vaga de emprego por medo de não serem contratadas. "O candidato não deve colocar isso como um bloqueio, porque ele não sabe como é a cultura daquela empresa e pode perder oportunidades", diz.

Para Antunes, as empresas estão cada vez mais buscando competências comportamentais em processos seletivos e na hora da contratação.

"O principal objetivo é trazer a peça certa para o lugar certo da empresa. Se a pessoa tem uma decoração no rosto ou não, dependendo da área em que ela vai atuar, isso não vai impactar", esclarece.

Mudança na cor da pele

A paixão pelas tatuagens pode crescer e alcançar diferentes esferas da vida daqueles que as fazem. É o caso do tatuador Leandro Oliveira Schneicher, 30. Aos 18 anos, ele fez suas primeiras tatuagens, quando ainda trabalhava com seus pais em Santa Catarina, no sul do país. Hoje, mudou-se para São Paulo e está se especializando no ramo.

Acima de uma das sobrancelhas, Leandro tem tatuada a palavra "camaleão", uma referência a seu apelido. "Eu tenho vitiligo [doença que causa perda de coloração da pele], estabilizado há muitos anos, mas, quando eu fiz minha primeira tatuagem, o pessoal falou que parecia um camaleão, por estar mudando de cor", esclarece.

Ele também tem na face um desenho do animal que é seu apelido, uma máquina de fazer tatuagens e a palavra "atitude". Algumas tatuagens na cabeça se aproximam do rosto e Leandro também conta com uma nos lábios.

Leandro Oliveira Schneider, 30, decidiu abraçar a paixão pela tatuagem como profissão. - Adriano Vizoni/Folhapress

"Quando eu fiz a primeira no rosto, fiquei apaixonado, passei a gostar mais de mim. Na hora, minha mãe não gostou, mas depois entendeu e, hoje em dia, ela gosta", comenta o tatuador.

Leandro diz que já perdeu uma oportunidade de emprego de garçom em um restaurante por causa das tatuagens. "Por telefone, eu avisei que tinha tatuagens e o cara disse que não teria problemas. Quando cheguei para a entrevista, ele viu que era no rosto e disse que a vaga já tinha sido preenchida", explica.

Registro permanente de suas raízes

No sábado (10), a fotógrafa e educadora Nay Jinknss, 31, fez sua primeira tatuagem no rosto. Na região da bochecha, embaixo do olho direito, registrou em tinta permanente a palavra "Ananin", termo que vem do tupi e dá nome a sua cidade, Ananindeua, no Pará.

Para Nay, há espaços de aproximação e afastamento quando o assunto é tatuagem. Formada em artes visuais, dá aulas para alunos da educação básica e ensino médio. Ela explica que, como professora de artes, suas tatuagens nunca foram um problema.

Há 12 anos trabalhando com fotografia, um de seus locais de trabalho é o mercado Ver-o-Peso, uma feira a céu aberto em Belém, no Pará. Lá, são vendidos peixes, frutas, sementes, temperos, remédios naturais e muitos outros produtos.

"Por mais que eu seja uma mulher documentando rua, a tatuagem dentro desse espaço do mercado me aproxima muito das pessoas que eu estou documentando, sejam moradores, trabalhadores, frequentadores e até moradores de rua", explica a fotógrafa.

Nos espaços mais formais, diz ela, a sensação é de afastamento. Nay conta que, antes mesmo de ter a tatuagem no rosto, foi fazer fotos em um hospital com uma pintura indígena na face e teve sua entrada proibida.

Antes de tatuar a face, a fotógrafa conta que tinha alguns receios, principalmente sobre a reação de sua mãe. Ela explica que, após refletir, reconheceu sua independência, a liberdade que seu trabalho proporciona e tomou a decisão.

"Em muitos lugares, inclusive no Brasil, a tatuagem é linguagem. Por que não se comunicar por elas?", questiona.

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