Associação vai à Justiça para limitar espaço de prostituição na capital paulista
Entidade que representa condomínios pede que prefeitura regulamente profissão; gestão municipal e Ministério Público querem fim da ação
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Uma associação que representa moradores e comerciantes de condomínios entrou na Justiça para que a Prefeitura de São Paulo regulamente o trabalho de garotas de programas na capital paulista. A principal intenção é frear uma possível desvalorização imobiliária em regiões como Planalto Paulista e Moema, ambas na zona sul, e Butantã, na zona oeste, além de amenizar incômodos a vizinhos de pontos de prostituição.
Em uma Ação Civil Pública aberta em fevereiro deste ano e que desde o mês passado aguarda pela decisão de um juiz, a Acresce (Associação dos Condomínios Residenciais e Comerciais) pede para que, com a regulamentação da profissão, a prefeitura passe a fiscalizar o trabalho de garotas de programa.
Em sua contestação, o município pede que a ação seja extinta, alegando que o autor não tem legitimidade para o pedido, além de afirmar que não dispõe de autorização para restringir a profissão.
Com a ação, a Acresce pretende que a gestão Ricardo Nunes (MDB) "promova a regularização da atividade econômica dos profissionais do sexo, no prazo de até 90 dias, definindo as áreas, locais e horário onde essa atividade possa ser desenvolvida, mantida a incompatibilidade com a ZER [Zona Exclusivamente Residencial]". Em tese, as garotas de programa que trabalham nas três regiões mencionadas ficariam em uma área isolada longe de casas e comércios, além da necessidade de bater ponto, tudo fiscalizado pelo município.
No texto do documento, a associação justifica que a presença das prostitutas nos locais gera "incômodo a todos, principalmente aos moradores, degradando o ambiente ante as cenas de nudismo e masturbação em público por eles protagonizadas, além de ataques com estilete/canivete para se proteger ou simplesmente para a prática de roubos".
Ao Agora, o responsável pela ação, o advogado Adonilson Franco, que preside a associação, disse que sua intenção ao solicitar a regulamentação da profissão e sua vigilância foi uma forma de chamar atenção para um problema que está há anos sem solução.
"O que eu quis com essa ação foi mexer num vespeiro, que eu espero que, num dado momento, no desenrolar dela, a gente tenha condições de pressionar o Legislativo, porque eu sei que isso é algo que deve nascer no Legislativo. Eu conto com a possibilidade de mexer com os administradores públicos, seja legislador, seja do Executivo, para fazer o que cabe ser feito", afirmou.
Para ele, "partindo do ponto de que a profissão de prostituição consta no Código Brasileiro de Ocupações, ela é uma profissão, e se é uma profissão, ela tem que ser regulamentada como qualquer outra profissão". A Classificação Brasileira de Ocupações foi criada em 2002 com intuito de retratar a realidade das profissões do mercado de trabalho do país.
No país, a prostituição não é crime, exceto em casos de exploração sexual, quando um aliciador ganha pelo trabalho exercido por uma garota de programa, por exemplo.
Franco, que além de advogado preside a Acresce, inseriu junto ao seu pedido uma série de reportagens antigas que retratam mortes e exploração sexual na avenida Indianópolis, principal via de ligação entre Moema e Planalto Paulista, e um dos pontos de prostituição a céu aberto mais conhecidos de São Paulo.
Entre os textos anexados ao processo está a reportagem "Cafetões faturam R$ 30 mil por semana na avenida Indianópolis", publicado pelo Agora em 30 de outubro de 2016.
Segundo o advogado, na zona sul, os moradores também convivem com o medo de serem assaltados. "Eu tenho relato no Planalto Paulista de pessoas que saem de casa com um sapato bonito de salto alto e é acompanhado por travesti que vai olhando e pergunta: 'Qual o número que você calça? Porque se for meu número, eu vou pegar para mim'".
Procurada pela reportagem, a presidente da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), Keila Simpson, 56, afirmou ser importante pensar que, geralmente, quando há essas delimitações de área, a população atingida quase nunca é ouvida. "O trabalho da prostituição, a gente compreende que é quase uma condicionante nas vidas das pessoas trans. Elas só têm esse trabalho para fazer para sua sobrevivência. Logo, elas precisam estar em lugares que sejam de fácil acesso, tenha segurança, porque já é um trabalho completamente vulnerabilizado".
Keila também alerta para a questão de uma possível limpeza social como principal intenção. "Tem que compreender, também, se esse afastamento, se essa delimitação de espaço, tem a ver com a higienização que é feita nas cidades". Para ela, é necessário mecanismos que auxiliem as garotas de programa, "como políticas públicas de empregabilidade, de educação, de inserção social, porque muitas dessas pessoas que estão desenvolvendo a prostituição agora, elas estão lá porque não têm outras oportunidades".
Em sua contestação no processo, a prefeitura disse que "resta demonstrado que, no atual contexto legislativo, a administração municipal não dispõe de autorização legal para promover qualquer restrição à atividade dos profissionais do sexo em vias públicas nos moldes pretendidos pela autora". Em outro trecho do texto, o procurador Luis Felipe Ferreira Mendonça Cruz explica que, "ainda que causem transtornos aos habitantes dos arredores e aos transeuntes, seria ilegal o exercício do poder de polícia a limitar tais atividades, que não são, ilegais".
Histórico
Essa não é a primeira tentativa da Acresce em provocar a prefeitura a tomar medidas contra a prostituição nas três localidades. Uma outra ação há dois anos pediu que a administração municipal suspendesse a cobrança de IPTU (Imposto Imposto Predial e Territorial Urbano) e ITBI (Imposto de Transmissão de Bens Imóveis) enquanto não regularizasse tal situação. No entanto, tal pedido não prosperou e acabou extinto pela Justiça, o que a fez ingressar com a Ação Civil Pública atual.
No que depender do Ministério Público, no entanto, ela também não deve ter vida longa. Em junho, o promotor Arthur Antonio Tavares Moreira Barbosa, que atua na Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo, pediu a "extinção do processo sem resolução de mérito", por entender que a associação não tem legitimidade para tratar a respeito da prostituição.
A reportagem procurou a prefeitura e o Ministério Público para que pudessem se posicionar. A Promotoria afirmou que "como resposta valem as manifestações do promotor [no processo]. Já a gestão do prefeito Ricardo Nunes não respondeu.