Clube de várzea centenário luta para manter sua sede em São Paulo

Santa Marina trava disputa judicial com multinacional que é dona da área na zona oeste da capital paulista

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São Paulo

O Santa Marina Atlético Clube, tradicional time da várzea paulistana na região da Água Branca (zona oeste de São Paulo), está com sua sede ameaçada. Isso porque o clube tem uma notificação em mãos e nela uma ordem de que deve desocupar o terreno que carrega a sua história centenária até o próximo dia 7 de agosto.

O pedido foi feito pela empresa Saint-Gobain, dona do terreno, e concedido pela 2ª Vara Cível do Fórum da Lapa, também na zona oeste.

A disputa envolve uma área estipulada em 9.232 m² e avaliada em R$ 86 milhões no número 833, da avenida Santa Marina, na Água Branca. De acordo com a defesa do clube, três processos correm na Justiça.

O primeiro deles foi movido pelo Santa Marina contra a Saint-Gobain pedindo a posse do local por usucapião. Na sequência, a empresa solicitou em duas ocasiões a reintegração de posse da área. Na primeira, sofreu uma derrota. Na segunda, conseguiu ter o seu pedido deferido e é este processo que pode fazer com que o clube perca sua área.

O Santa Marina, contudo, tenta derrubar a decisão com uma liminar e foi ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) após sofrer nova derrota no Tribunal de Justiça de São Paulo. A decisão agora está nas mãos do ministro Humberto Martins.

Em nota, a Saint-Gobain afirma que sempre esteve aberta ao diálogo com o Santa Marina a fim de encontrar um acordo em comum. A companhia diz ainda que não comenta processos judiciais em curso, mas que o contrato de comodato para uso do imóvel pelo clube expirou em 2019.

A defesa do Santa Marina, por sua vez, alega que o contrato de comodato assinado em 2007 se encerrou em 2017 e briga pela nulidade desse documento. A alegação é de que o presidente do clube desde o início dos anos 1990, Francisco Ingegnere, 67 anos, assinou o contrato sob pressão quando ainda era funcionário da companhia e sem a orientação de nenhum advogado.

O maior temor daqueles que lutam pela sobrevivência do Santo Marina é que caso a reintegração de posse seja concretizada, as dependências do clube deixem de existir.

Caio Marcelo Dias, do escritório Dias Advocacia, que defende o Santa Marina, explica que a reintegração de posse pode afetar até mesmo o andamento do primeiro processo movido por eles de usucapião contra a empresa.

"Aí podem ser dois entendimentos nesse processo a depender do juiz. Um deles é que possamos conseguir a retomada da área e o outro é que após ser comunicado no processo pela Saint-Gobain que ela conseguiu recuperar a área, o juiz possa extinguir o processo alegando que o objeto central da causa de usucapião se perdeu, uma vez que a empresa recuperou a área", explica.

História

O Santa Marina Atlético Clube foi fundado no ano de 1913 por trabalhadores da Companhia Vidraria Santa Marina. Naquela época as empresas tinham o costume de oferecer aos seus empregados trabalho, moradia e também era comum ceder espaço para fundação de clubes.

Foi assim que o Santa Marina se criou no local. Sem nenhum documento utilizava a área com base em sua história ali. A Companhia Vidraria Santa Marina, contudo, após passar por problemas financeiros se associou com a Saint-Gobain durante a década de 1960.

Francisco Ingegnere, presidente do clube trabalhou na empresa. Seu pai também chegou a ser funcionário da Santa Marina e, inclusive, morou com a família nas vilas fornecidas pela empresa. Em 1972, contudo, precisou sair do local com o fim das moradias. Ingegnere viveu ali uma de suas primeiras grandes frustrações. "Lembro quando meu pai negociou a casa que morávamos. Eu saí de lá chorando no último dia em cima do caminhão", recorda Francisco.

Mas hoje sua maior alegria ainda é poder falar sobre o time e contar histórias relacionadas ao futebol de várzea. "Eu era ponta esquerda aqui. Fui chamado para jogar no Palmeiras em uma quinta-feira. No domingo, quebrei a perna", conta de uma forma bem-humorada, lembrando histórias que só a várzea poderia proporcionar.

Os dias de jogos, interrompidos por causa da pandemia, também rendiam bons momentos para Francisco e os amantes do clube. No sábado, às 11h, era a hora do esporte, termo usado na várzea para o time principal, entrar em campo. Já no domingo, às 10h30, eram os veteranos que vestiam a camisa do Santa Marina.

Além do campo de futebol, a estrutura ainda conta com um ginásio que abriga o time de futsal e a recheada sala de troféus.

Questionado sobre a possibilidade de ter que se desfazer de toda essa história, Francisco, com os olhos marejados, esquiva-se. "Ainda tenho esperanças que vamos ficar", avisa.

O mesmo sentimento é alimentado por Rosymeire Ingegnere, 63 anos, sua irmã e que atua como secretária e administradora do clube.

"Fomos criados ali dentro. Tinha festa, futebol, parque. Molecada que morava na vila jogava bola lá. Ficávamos lá dentro e sempre nos tratamos como família. Fui criada no clube. Depois que saímos das vilas e mudei para a Freguesia do Ó, continuei frequentando o clube. É a minha vida. A única coisa que queríamos é poder ficar no nosso espaço", finaliza.

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