Idoso vítima de Covid-19 deixa 370 mil moedas como herança

Família de Nathalino Ruy, que morreu em março aos 83 anos, doou vales-compras a entidades

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São Paulo

O comerciante Nathalino Ruy morreu aos 83 anos, em março, em Jundiaí (65 km de SP), por causa da Covid-19. Deixou como herança cerca de 370 mil moedas amealhadas ao longo da vida, uma coleção que desejou que fosse dividida entre os cincos netos. Mais que cara e coroa, o metal traz cunhados os momentos repletos de histórias que o idoso dividiu com os mais jovens da família, ao redor dos potinhos onde guardava aquilo que contava e recontava.

O comerciante Nathalicio Ruy, 83 anos, que morreu em decorrência da Covid-19 em março deste ano, conta as moedas de sua coleção com os netos - Arquivo Pessoal

A família optou por trocar R$ 20 mil em moedas que ainda estão em circulação em um supermercado —70 mil unidades. Geralmente, o mercado retribui com panetones quem leva moedas para trocar por dinheiro em papel. Dessa vez, porém, foram ofertados dois vales-compras de R$ 800 cada. A família doou os dois brindes para duas entidades assistenciais ligadas à infância, uma maneira de fortalecer a corrente de amor para outras crianças.

“Meu pai dizia que seria famoso. Já fazia 20 e poucos anos que tinha colocado ponte de safena e achava que seria a pessoa que mais sobreviveu com uma”, diz o microempresário Leandro Ruy, 48. A Covid-19 interrompeu esse desejo, mas a troca das 70 mil moedas chamou tanta atenção que realizou, indiretamente, a vontade de Nathalino de ser conhecido por muitos.

Filha do meio, a professora Lilian Ruy, 54 anos, diz que o valor sentimental em relação à coleção é gigantesco. “Os netos ficam emotivos quando falam dessa herança do avô. Cresceram compartilhando os conhecimentos com meu pai”, conta. “Eles ficam felizes em dividir essa sabedoria com as pessoas, para que todos saibam que é possível esse diálogo entre o jovenzinho e o mais velho”, fala.

Lilian diz que as moedas não eram o único hobby do empresário. “Ele colecionava selos também. Os amiguinhos dos netos vinham para conhecer”, diz.

Entre os filhos, ficou a certeza de que o legado do pai foi muito maior do que o metal acumulado ao longo da vida. Também restou a obrigação de cumprir com as promessas. “Ele sempre dizia ‘se o Nata falou, tá falado’”, conta o mais velho, o empresário Silvio Ruy, 56 anos. E assim tem sido.

Filho mais velho lembra paixão do pai pelo níquel

A paixão de Nathalino Ruy por moedas traz inúmeras lembranças divertidas para o mais velho dos três filhos, o empresário Silvio Ruy, 56 anos. “Era sempre festa onde ele estava. A gente derrama lágrimas de alegria e saudade”, diz.

Os dois trabalhavam juntos na empresa de instalação de toldos da família e compartilhavam o dia a dia. Certa vez, na estrada, seu Nathalino viu a oportunidade de conseguir mais moedinhas de R$ 0,01, algumas de suas preferidas, ao se aproximar das cabines de pedágio. “Ele insistiu para eu pedir. Dava até vergonha. ‘Ô, pai, são eles que precisam de moeda’, eu disse para ele”, conta Silvio.

Em uma visita à cidade de Olímpia (438 km de SP), o campineiro que vivia em Jundiaí desde novo decidiu ampliar a sua coleção justamente com aquelas moedas cunhadas para celebrar o ciclo olímpico no Brasil. “Um rapaz apareceu com uma e ele disse que pagaria R$ 2 para cada de R$ 1 que trouxesse. Não sei onde o cara arrumou tanta, mas apareceu com 100! Tivemos que pagar R$ 200! O velho era uma figura”, conta.

Numa viagem de Silvio para os Estados Unidos, uma das missões era conseguir moedas de US$ 1. O filho voltou com três e mostrou feliz para o pai, que não ficou satisfeito. “Ele ainda me puxou a orelha, perguntando porque tinha conseguido só aquelas”, diz.

Com tanta convivência, o gosto pelas coleções foi herdado pelo primogênito, que guarda cédulas em papel. “Além de pai, ele era parceiro, irmão, confidente”, afirma Silvio.

Caçula dos cinco netos de Nathalino, Letícia Mantovani Ruy, 12 anos, conta que a relação com o avô foi muito rica, para além dos potinhos. Segundo ela, um verdadeiro aprendizado para toda a vida foi construído. “Ele sempre mostrava para a gente e aproveitava para falar sobre a história, qual delas valia mais”, conta.

Onde muita gente enxerga só metal ou dinheiro, Letícia consegue notar muito mais. “Só de ver as moedas já me lembro de cada momento que passamos juntos”, afirma.

Entidade compra alimentos com vale de R$ 800 doado por família

Os dois vales-compras de R$ 800 cada que foram obtidos como brinde depois da troca de R$ 20 mil em moeda serviram para ajudar quem mais precisa na cidade de Jundiaí, em um momento crítico.

Uma das entidades beneficiadas com a doação do vale-compras foi a Casa Transitória Nossa Senhora Aparecida, que acolhe crianças de 0 a 18 anos incompletos em situação de vulnerabilidade. “Muitas vezes, são crianças que chegam de madrugada só com a roupa do corpo”, afirma a assistente administrativo Paola Zerbinatto Fiori, 27 anos, que trabalha no local.

A doação veio em boa hora e já foi usada. “Conseguimos repor os alimentos. Carne, frango, que não costumamos receber em doação. Também compramos produtos para bolos de aniversário, frios para outras receitas. Repomos um estoque que estava baixo sem precisar mexer no caixa”, diz Paola. Fica também o agradecimento à família de Nathalino Ruy. “Foi um gesto muito nobre”, diz.

A outra entidade beneficiada foi o Grendacc (Grupo em Defesa da Criança Com Câncer). “Neste momento de pandemia pelo qual estamos passando, nossas doações caíram cerca de 30%, portanto, toda ajuda é bem-vinda”, diz Ana Paula Paton, responsável pelo setor de captação. “Doações como essa são de grande importância, pois além de ajudar no tratamento de nossas crianças é uma forma de incentivar outras pessoas a doarem . Também de tornar a nossa luta contra o câncer infantojuvenil cada vez mais conhecida.”

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