Projeto para mudar nome da praça Roosevelt para Tarcísio Meira cria polêmica em SP
Câmara aprova projeto na primeira votação, mas autor Thammy Miranda (PL) decide segurar a ideia
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O projeto de lei que prevê a mudança de nome da praça Franklin Roosevelt, na região central de São Paulo, para praça Tarcísio Meira, proposto pelo vereador Thammy Miranda (PL), despertou uma grande polêmica. Moradores e comerciantes da região estão se mobilizando contra a proposta, que já foi aprovada em primeira votação de forma simbólica na Câmara Municipal de São Paulo na sessão do último dia 15 de setembro.
"Na atualidade, a praça abriga vários teatros e, a nosso sentir, nada mais justo que receba nova denominação homenageando um dos maiores nomes da dramaturgia brasileira que nos deixou, como mais uma vítima da terrível doença que assola o planeta [Covid-19]-, no último dia 12 de agosto”, escreve o vereador no projeto.
Durante a sessão da Câmara, na última quarta-feira (29), Thammy solicitou a retirada do projeto da pauta do dia, após um pedido do vereador Eduardo Suplicy (PT), que disse para ele ouvir os apelos dos moradores e comerciantes da região. Ainda não existe um prazo para a segunda votação.
Nesta quinta-feira (30), Thammy Miranda se reuniu com moradores e comerciantes que assinaram o abaixo-assinado. Em contato com a reportagem, o vereador disse que seu mandato é aberto para diálogo e por enquanto não vai prosseguir com o projeto.
"O meu mandato é participativo e a reunião foi muito proveitosa. O projeto vai ficar parado até termos um acordo com mais moradores e comerciantes. Na maioria das vezes, as audiências públicas só acontecem antes da segunda votação, mas não deixarei nada acontecer sem antes ouvir ainda mais pessoas”, afirma, ao Agora.
“Estamos vivendo um momento de ressignificação de conceitos e também de homenagens que já foram prestadas a algumas pessoas que fizeram parte da nossa história”, ressalta o vereador, em defesa de seu projeto.
Protesto
Em forma de posicionamento contra a mudança de nome, a Associação dos Moradores da Praça Roosevelt fez uma petição pública online, que já colheu mais de 1.000 assinaturas.
No documento, a associação destacou que o projeto não teve consulta à comunidade local e que a alteração do nome poderá acarretar muitos transtornos, como a perda de identidade, apagamento da história da praça Roosevelt e despesas com atualização de matrículas, contratos sociais e alterações cadastrais.
“Acredito que o Thammy está com boas intenções, mas acho que ele se prendeu muito à questão do personagem e não levou em conta todas as situações da praça”, diz Fernando Mazzarolo, 61 anos, presidente da associação dos moradores.
Atualmente, a praça homenageia Franklin D. Roosevelt (1882-1945), que foi presidente dos Estados Unidos e um dos principais nomes no combate ao nazismo e ao fascismo durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A proposta visa mudar o nome para Tarcísio Meira (1935-2021), considerado um dos maiores atores brasileiros e que morreu, aos 85 anos, em agosto deste ano vítima de Covid-19.
“O Tarcísio é muito importante e não somos contra a sua homenagem, mas a praça tem um histórico e é conhecida nacionalmente como Roosevelt”, completa Fernando.
Dono do bar Papo, Pinga e Petisco, que dá de frente para a praça, Eddy Vassalo, 47 anos, criticou a possível mudança. “O nome da praça tem todo um contexto histórico e cultural, e tem uma lembrança da década de 1960 e 1970. Além disso, tem os transtornos da mudança de logradouro, inclusive com custos”, afirma.
Mesmo quem trabalha no meio artístico na região se diz contra a possível mudança. O ator e dramaturgo Ivam Cabral, que é um dos fundadores dos Satyros, tradicional companhia de teatro, destacou a importância de homenagear Tarcísio Meira, mas não com a mudança de nome da praça.
"O Tarcísio foi um grande ator e pessoa, e merece todas as homenagens do mundo. Porém essa mudança de nome da Roosevelt gera um apagamento histórico e de memória, que precisa ser respeitada. A praça Roosevelt é a ágora [praça pública onde se realizavam as assembleias políticas na Grécia antiga] da cidade de São Paulo”, afirma Cabral.
"Atualmente, tudo começa e termina lá. Nós, o povo do teatro, jogamos luz na praça, assim como outros movimentos como da Bossa Nova paulistana e do Cinema Novo. Mudar esse nome é apagar essa história", diz. "Até porque essa praça não combina com o Tarcísio, que era um cara tão incrível e merecia um lugar adequado, não essa praça que sofre com um descaso", ressalta.
Morador do prédio vizinho à praça, Mauricio Luiz Bertoni, 54 anos, afirma que o melhor é o poder público dar uma atenção maior para a praça do que mudar o nome do lugar.
"Chegou como uma grande surpresa essa notícia. Acho extremamente válido ter uma homenagem para o Tarcísio, mas a questão em si é que o poder público nunca olha para essa área, que está suja e totalmente degradada, inclusive com ratos e falta de iluminação. Se fossem dar o meu nome na praça, eu consideraria uma ofensa e não um elogio", afirma Bertoni.
Síndica de dois condomínios de frente para a praça e secretária executiva da Associação de Moradores da Praça Roosevelt, Márcia Malheiros, destacou o aspecto democrático da praça.
“Eu moro há 20 anos na praça e tenho uma história pessoal com o lugar. Mudar o nome trará uma perda de identidade de todos que moram aqui. Mais do que isso, a praça é um lugar que agrega muita cultura e diversidade. Admiro o trabalho do Tarcísio e a homenagem é válida, mas não na praça Roosevelt”, diz Márcia.
Praça tem longo histórico
Situada entre as ruas Consolação e Augusta, a praça Franklin Roosevelt está inserida dentro do contexto das grandes obras viárias implantadas na cidade de São Paulo entre os anos de 1950 e 1980.
A praça, que na realidade é um viaduto-praça, é a cobertura de uma imensa estrutura viária para a passagem subterrânea do Minhocão e a ligação do viário leste-oeste da capital paulista.
“A praça Roosevelt, que antes chamava praça da Consolação porque ficava ao redor da igreja da Consolação, sempre teve características delicadas do ponto de vista urbano. Durante muito tempo foi estacionamento, depois foi aberto o buraco para fazer o túnel e aí coberto com essa grande estrutura de concreto para virar praça”, diz Marcos Costa, coordenador e professor de arquitetura da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado).
A praça em si foi construída na década de 1960 pelo então prefeito Faria Lima e passou, nas últimas décadas, por um forte processo de degradação urbana. Somado a isso, a configuração urbana do local ajudou para a intensificação deste processo, já que, apesar das ruas terem um acentuado desnível, a laje de concreto possuía um único nível. Apenas em dois pontos a calçada estava no nível da laje.
Tudo isto ocasionou o isolamento urbano da praça e potencializou o seu abandono. “A praça era uma edificação, com pavimentos de concreto e o último chegava a ficar a mais de 12 metros da rua Augusta de desnível”, afirma Marcos Costa.
“Na cidade, cada vez que você vai alterando os níveis, a dinâmica urbana vai diminuindo proporcionalmente. Ou seja, quanto mais você sobe, menos a cidade acompanha, e foi isso que aconteceu com a praça”, completa o arquiteto.
A situação mudou a partir de 2010, quando o escritório Borelli & Merigo Arquitetura e Urbanismo foi contratado para fazer a recuperação da praça como um espaço público adequado para a cidade. Marcos Costa, inclusive, foi um dos responsáveis pelo projeto, que foi entregue em 2012 e a praça foi reaberta em outubro daquele ano.
“Todo o nosso trabalho foi tentar fazer uma costura dessa laje de concreto com as vias e isso foi possível, visto que o local se tornou um dos mais utilizados na área central da cidade, que recebe manifestação política e artística, tem equipamentos comerciais, e muitos skatistas”, destaca o coordenador.
Entre outros pontos, a praça conta com áreas para skatistas, iluminação, ambientes verdes e até um cachorródromo. “Morar na Roosevelt adquiriu outro status após a reforma e voltou a ser ambientada, o que é o mais importante”, destaca o arquiteto.
Marcos Costa se disse contrário à mudança de nome também. “Tarcísio Meira merece todas as homenagens, só não sei se justamente em um marco tão forte da cidade como é a praça Roosevelt. Meu receio é que em uma tacada só a gente cometa grosseria com um e não chegue a fazer uma homenagem como se deveria ao outro”, afirma.
O arquiteto ainda fez um adendo sobre um outro ponto que foi levantado logo após a reforma do local. “Na época, solicitaram a troca do nome de praça para parque porque o parque eu posso gradear, enquanto a praça não. Fui contrário e sigo contra essa ideia. Além do lugar não ter qualidade paisagística de parque”, afirma.