Estudo vê falhas em iniciativa de reforma no ensino médio em São Paulo
Sete em cada dez docentes não receberam formação adequada para participar do programa
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Anunciado pela gestão do governador João Doria (PSDB) em 2019 como uma revolução do ensino médio no estado de São Paulo, o programa Inova Educação, que propõe oferecer disciplinas eletivas com conteúdos extracurriculares apresenta graves deficiências na visão de pesquisadores.
Um estudo inédito a ser lançado na noite desta terça-feira (26) indica que um dos problemas mais graves é o fato da maioria dos docentes que oferecem esses conteúdos não está devidamente capacitada para isso.
Dados obtidos via LAI (Lei de Acesso à Informação) indicam que apenas 25,75% fizeram o curso básico entre julho a setembro de 2019. Destes, apenas 28,97% foram aprovados no curso aprofundado de dezembro de 2019 a janeiro de 2020. Esses cursos, com duração de 30 horas cada, capacitam os profissionais para repassar conteúdos que abordam os três eixos do programa: projeto de vida, eletivas e tecnologia.
Essas disciplinas são destinadas a 2 milhões de adolescentes que cursam do 6º ao 9º ano e o ensino médio em cerca de 3,8 mil escolas estaduais paulistas.
Denominado "Inova Educação - leitura crítica sobre a proposta de reforma educacional dirigida à juventude paulista", o estudo foi produzido pela ONG Ação Educativa em parceria com o Gepud/Unifesp (Grupo Escola Pública e Democracia da Universidade Federal de São Paulo).
Além dos dados obtidos via Lei de Acesso, os pesquisadores também fizeram análise de vídeos, depoimentos e documentação do curso formatado e fornecido pela Efape (Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo). É a Efape quem ministra os cursos, num ambiente virtual (remoto).
Além da falta de capacitação adequada, os pesquisadores também questionam o conteúdo fornecido, que dá ênfase em competências socioemocionais que, segundo eles, não encontram consenso na área de educação e são inclusive criticadas por órgãos ligados à psicologia.
Segundo análise dos pesquisadores, da forma como está, o programa coloca a escola a serviço do mercado, e distancia o aluno do ensino superior.
"O Inova Educação não toca em pontos fundamentais, como as experiências profissionais dos jovens, os caminhos para a formação no ensino superior, suporte para acesso ao primeiro emprego, direitos trabalhistas, desigualdades sociais, situações de assédio moral e sexual", afirma Gabriel Di Pierro, coordenador da área de Juventude da Ação Educativa, em nota emitida pela ONG.
A professora e doutora Débora Cristina Goulart, uma das responsáveis pela pesquisa e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (REPU), reforça: "Tem a ver com a ideia de uma formação mais genérica e, sobretudo, com comportamento e autogerenciamento. A proposta é de que os jovens sejam capazes do ponto de vista comportamental, de se moldarem para o mundo do trabalho. É uma abordagem economicista que individualiza a responsabilidade pela adequação ao mercado e afasta os estudantes do ensino superior".
Segundo os dados do estudo obtidos via Lei de Acesso à Informação, cerca de 61 mil aulas ainda não tiveram atribuição, ou seja, estão sem professores. O maior problema acontece nas chamadas aulas eletivas, com 40.406 aulas sem atribuição.
Do total de docentes com atribuição, 43,8% são temporários.
O programa
Para poder implementar os novos conteúdos, o governo estadual fez um rearranjo das aulas tradicionais, reduzindo, por exemplo, o tempo de ensino de disciplinas tradicionais tais como matemática e português.
No lugar, foram inseridas disciplinas aulas de tecnologia, eletivas e de projeto de vida. Em tecnologia, os alunos aprendem, entre outras coisas, a como lidar com as novas tecnologias, inclusive com o uso de mídias digitais, robótica e programação.
Empreendedorismo, educação financeira e comunicação não violenta são algumas das abordagens das chamadas disciplinas eletivas. No projeto de vida, são propostas aulas com atividades e oficinas que apoiam o estudante no planejamento de seu futuro, trazendo temas como gestão do tempo, organização pessoal, compromisso com a comunidade e perspectivas para o futuro.
Resposta
A coordenadora do Centro de Mídias SP, Bruna Waitman, do governo estadual contesta os dados.
"Os números estão defasados", afirma. Segundo ela, atualmente o governo conta com 105.720 professores que concluíram ou foram aprovados no curso de eletivas, 108.023 professores que estão capacitados para atuar em projeto de vida e 94.314 professores que podem atuar no curso de tecnologia. Todos os profissionais mencionados, segundo Bruna, passaram pelas 60 horas de capacitação do curso, em duas etapas de 30 horas cada, e, por isso, estão aptos para atuar.
Questionada se o número de profissionais formados comporta o número de escolas e aulas oferecidas pela rede estadual, Bruna explica que quando não há professor para determinada região as aulas podem ser acompanhadas através do Centro de Mídia.
"Em abril de 2020 começou o nosso trabalho com o Centro de Mídia, que é o aplicativo desses canais digitais aberto que fazemos transmissões tanto para aluno, quanto para professores. Incluímos esses três componentes tanto na parte de formação dos professores, quanto nas aulas que são oferecidas para os alunos", explica.
Por fim Bruna ainda rebate a questão de que o programa Inova esteja voltado apenas para o mercado de trabalho. Ela explica que o projeto vida não tem como principal objetivo inserir o aluno no mercado e, sim, descobrir qual é a sua principal aptidão para que ele possa fazer uma escolha adequada no futuro.
"Falamos sobre sonhos, sobre o papel do aluno para a sociedade para que, lá no futuro, quando chegar o momento de escolha, ele possa ter todo essa bagagem e saber no que é bom ou não e pensar no que fazer", conta. Ela conclui dizendo que a opção de escolha entre um curso técnico, superior ou a ingressão no mercado de trabalho é toda feita pelo estudante mediante a sua própria percepção diante das aulas que teve.
Bruna explica, por exemplo, que caso a opção do aluno seja prosseguir em um curso superior, ele vai receber todo o suporte necessário. "Se ele escolher isso, dentro do material vai ter uma etapa só para discutir quais são os documentos necessários para prestar o Enem, por exemplo, e como ele deve se preparar para isso. Quais são as bolsas que existem dentro de uma universidade. Se eu for fazer o curso em outra cidade, como eu devo me organizar", segue Bruna.
A coordenadora ainda faz questão de esclarecer que as eletivas são variadas e não apenas voltadas para o mercado de trabalho. "Temos eletivas de libras, cinema, como gerar conteúdo para o YouTube. São poucas que são ligadas especificamente ao mercado de trabalho. Claro que tem algumas, como o empreendedorismo, mas é o aluno que escolhe em qual ele vai atuar."