Cada vez mais áreas recuperadas dão lugar a prédios em SP

Com falta de terrenos, expansão imobiliária se volta para áreas que antes eram contaminadas

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São Paulo

Durante cerca de 20 anos a esquina das avenidas Aratãs com a Ibirapuera, em Moema (zona sul de SP), abrigou um posto de combustíveis. Há cerca de um mês, ele encerrou as suas operações e agora o terreno está à venda. O destino mais provável é o setor imobiliário, tal qual vem ocorrendo com diversos outros postos de combustíveis desativados na cidade de São Paulo.

Alguns, como no caso de outro estabelecimento do tipo na rua Padre Adelino, na Quarta Parada, na zona leste, encerram as suas atividades, abrigam em seguida estacionamentos de veículos para só depois serem vendidos para incorporadoras.

"Antes existia um certo preconceito [uso das áreas] pelo risco de contaminação. Mas postos possuem terrenos grandes e temos atualmente escassez de estoque de terrenos", afirma o corretor de imóveis Rafael Giaquinto, 38, da Locamais, empresa que tenta comercializar o terreno na avenida Aratãs, em Moema, onde antes funcionava um posto de combustíveis.

Giaquinto afirma que ainda não foram feitas análises para avaliar se o terreno está ou não contaminado, trabalho que deve ser realizado para quem estiver interessado em adquirir o imóvel antes de lhe dar outra destinação.

Apesar de não ser uma regra, postos de combustíveis muitas vezes geram contaminação das áreas onde estão instalados. Esses locais são apenas alguns exemplos de como o uso de áreas contaminadas para erguer empreendimentos imobiliários tem se intensificado nos últimos anos, sobretudo durante a pandemia.

O relatório de Áreas Contaminadas e Reabilitadas no Município de São Paulo, elaborado pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente com dados de outubro de 2021, registra a exitência de 649 áreas cadastradas na capital. Dessas, 207 estão classificadas como reabilitadas, ou seja, foram contaminadas e estão aptas a serem reutilizadas. Há ainda 187 contaminadas, outras 190 passam por investigação para saber se de fato estão contaminadas ou não e 65 estão sendo monitoradas para que a reabilitação seja feita.

Segundo a prefeitura, até outubro de 2021, 189 de áreas que haviam sido inseridas no relatório tiveram aval pra que construções fossem erguidas. Antes disso, foram feitas nvestigações ambientais para revelar se estavam ou não contaminads. Em 2020 foram 183, e em 2019, 70. Ou seja, em dois anos houve um aumento de 170% na procura por esses locais. "A reutilização de áreas com potencial de contaminação segue as demandas do mercado imobiliário", afirma a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), em nota.

"Hoje você tem uma escassez de terrenos, com áreas muito consolidadas. E áreas antigamente que tinham indústrias não acabavam sendo compradas pelo mercado imobiliário", explica o advogado Rodrigo Bicalho, 53, integrante do Conselho Jurídico do Secovi-SP (Sindicato da Habitação).

O Secovi realizou um estudo em 2018 indicando que ao menos 409 áreas contaminadas no estado de São Paulo estavam em processo de reutilização para que nelas fossem construídos prédios. O órgão pretende fazer uma atualização desse número em 2022, porém, já admite que deve ser muito maior.

"Com certeza aumentou muito, uma vez que o desenvolvimento imobiliário no estado e na cidade ele tem crescido", afirmou Bicalho.

Cetesb

Um outro relatório de áreas contaminadas, o da Cetesb (agência ambiental paulista), com dados do final de 2020, indica que ao menos 1.049 áreas contaminadas devem ser reutilizadas em todo o estado. A maior parte delas, 204, está localizada na cidade de São Paulo..

"Esse número deve passar de duas mil neste ano", afirma o gerente do Departamento de Áreas Contaminadas da Cetesb, Elton Gloeden.

Segundo o gestor, a procura por postos de gasolina para dar lugar a novos empreendimentos se explica pelo fato deste ser o tipo de fonte mais comum de contaminação, respondendo por 70% do total de casos cadastrados na base de dados da Cetesb.

Não é só o mercado imobiliário que ocupa terrenos antes contaminados para erguer empreendimentos em locais antes ocupados por postos de combustíveis. Eles também são alvo de outros interessados em erguer pontos comerciais, tais como farmácias, supermercados e lojas.

"Muitos postos de combustíveis foram muito impactados e alguns estão saindo do ramo. Isso vem de uns quatro, cinco anos, mas se intensificou na pandemia", afirma o engenheiro químico Fábio Luis Covre Coimbra, 54, que atua com recuperação de áreas contaminadas há 25 anos.

Segundo ele, só a empresa que ele dirige, a CMA Ambiental, recebeu pedidos para projetos de recuperação em ao menos dez áreas contaminadas que darão lugar a pontos comerciais diversos, tais como restaurantes e farmácias.

Desde agosto de 2016 o McDonalds ocupa uma área contaminada na avenida Liberdade, no centro. Antes de receber o restaurante, o local abrigava um posto de combustíveis.

Em nota, a rede informa que obteve todos os alvarás para construção no terreno, e seguiu todas as diretrizes do plano de intervenção na área. "A empresa responsável pela obra forneceu todos os relatórios de monitoramento necessários, estando o estabelecimento devidamente em conformidade com as exigências estabelecidas pela Cetesb", informa a nota.

Mudança no Plano Diretor motivou maior rigor na fiscalização

Segundo o gerente do Departamento de Áreas Contaminadas da Cetesb, Elton Gloeden, o maior rigor na fiscalização ocorre desde 2002, ano de aprovação da lei do Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo.

Ela deu aval para que áreas que até então abrigavam indústrias ou outras potenciais fontes de contaminação pudessem ser requalificadas e destinadas a usos habitacionais, com a construção de prédios.

"Desde então a Cetesb começou a se preocupar com essa situação, ainda mais pelo fato de que essas áreas já terem sido ocupadas e, possivelmente, contaminadas sem a devida remediação, o que poderia provocar riscos à saúde humana", afirma Gloede.

Foram criadas legislações específicas as quais passaram a obrigar os interessados em realizar empreendimentos a investigar a área para saber se ela tinha potencial de contaminação. "Se for contaminada, o interessado precisa realizar medidas de intervenção", explica o executivo.

A liberação de uma determinada área que foi contaminada e recuperada só pode ocorrer após avaliação de todos os órgãos envolvidos, sejam eles federais, estaduais ou municipais. Gloeden diz que, a princípio, todas as áreas contaminadas podem ser remediadas, até mesmo um lixão.

"Ocupar a área que antes era aterro sanitário é possível e tem sido feito para parques, áreas de lazer abertas tais como campos de futebol, por exemplo. Neste caso pode ter problema com acumulação de metano, que só se resolve com a remoção dos materiais", afirma.

A Prefeitura de São Paulo informou que a cidade conta com uma lei municipal de 2003 que regra como deve ser a aprovação de parcelamento de terrenos ou construção em áreas com suspeitas de contaminação. A lei prevê a obrigatoriedade, por parte do interessado em ocupar a área, de apresentação de laudo técnico de avaliação de risco que comprove a existência de condições ambientais aceitáveis para o uso do imóvel.

Recuperação de áreas podem durar meses ou anos

Segundo o engenheiro químico Fábio Luis Covre Coimbra, 54, que atua com recuperação de áreas contaminadas há 25 anos, os processos de remediação desses terrenos dependem da gravidade do cenário encontrado e a confiabilidade dos estudos ambientais realizados anteriormente.

"Temos casos de remediação resolvidos em seis meses. Contudo, existem projetos que podem levar alguns anos, sendo que em todos os trabalhos que realizamos foi possível a recuperação da área", afirma.

Coimbra criou e dirige a CMA Engenharia Ambiental há 21 anos.Ele lembra que o aspecto das condições ambientais das áreas devem ser avaliados por todos que forem adquirir terrenos com o objetivo de erguer construções, sejam elas quais forem.

Resumidamente, o trabalho dos engenheiros para detectar se há contaminação ou não consiste em uma avaliação preliminar, investigação para confirmar a situação do local e também aferições, a chamada investigação detalhada. É esse trabalho que vai dizer onde e quanto o local está contaminado. A partir disso é elaborado um plano para remediação, que nada mais é do que tirar os elementos que estão contaminando ou controlar as suas emissões.

"Com isto o empreendedor poderá avaliar a questão dos custos e prazos para a realização dos trabalhos do gerenciamento deáreas contaminadas e sua viabilização na compra da área e execução do empreendimento", explica.

Center Norte tem área recuperada após 37 anos

A área ocupada pelo shopping Center Norte e o Lar Center desde o ano de 1984 só agora foi considerada totalmente recuperada pela Cetesb (agência ambiental paulista).

Segundo a agência, a área já atendeu a todos os requisitos para remediação e está reabilitada. Essa informação constará na revisão da lista de áreas contaminadas, prevista para ser publicada no início de 2022.Apesar disso, ela continuará a ser monitorada.

Em nota, o Center Norte afirmou que a conquista é resultado de um esforço concentrado realizado nos últimos dez anos. "Trabalhamos concomitantemente e alinhados aos órgãos competentes como a Prefeitura de São Paulo e a Cetesb e todos os compromissos assumidos foram cumpridos com seriedade e, por isso, hoje, temos o reconhecimento por parte da CETESB quanto à inexistência de riscos para uso e ocupação da área".

O empreendimento foi erguido em 1984 em cima de um terreno onde eram jogados resíduos sólidos (lixo) diversos. Um dos principais problemas enfrentados nesse tempo todo foi como controlar o gás metano expelido pelo composto do solo de modo a evitar, em última instância, explosões.

O que agravou o problema do local desde a sua criação foi o fato de que os resíduos não foram removidos, mas sim serviram para aterrar a área durante a construção do shopping.

Para contornar o problema durante a construção da obra, foram instalados respiros de gases subterrâneos.

O terreno sempre foi monitorado e contava na lista de áreas contaminadas da Cetesb desde 2004, entretanto, uma investigação completa da situação só feita em 2010. Esse estudo mostro concentrações de metano que poderiam provocar explosões em diversas partes do shopping, sobretudo nos corredores onde as lojas estavam instaladas.

Essa investigação constatou ainda uma grande presença de chorume no solo e geração de gás. Os pesquisadores só localizaram solo natural a 10 metros de profundidade.

Após novas análises, foi constatado que a área oferecia risco. Com isso, ela foi inserida na lista de áreas contaminadas críticas em maio de 2011. O empreendimento foi multado e obrigado a apresentar, num prazo de dez dias, um plano urgente para conter o gás.

A proposta da empresa era de fazer a instalação do sistema só em dezembro de 2012, o que foi considerado um prazo muito longo pela Cetesb.

Os meses se passaram e novos focos foram identificados, alguns com níveis muito elevados. O empreendimento recebeu novas multas até que, em setembro de 2011, elas passaram a ser diárias pela não implantação do sistema de extração de gases.

Como nada foi feito, o empreendimento foi fechado em outubro daquele ano. Um vai e vem na Justiça fez com que ele pudesse abrir mas depois foi fechado novamente até que equipamentos para drenagem do gás começassem a ser instalados.

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