A felicidade dos moradores da região central de São Paulo, que ganharam no último sábado (6), o parque Augusta, contrasta com a tristeza dos moradores da periferia que lutam para que áreas verdes próximas de suas residências deixem de ser apenas uma promessa e passem a servir como espaços de lazer.
O Agora percorreu nesta quarta-feira (10) cinco parques nos mais distantes bairros da capital paulista e pode notar o aborrecimento de líderes comunitários e moradores sem as devidas implantações. Das áreas verdes visitadas, apenas o futuro parque dos Búfalos, no Jardim Apurá (zona sul), havia pessoas caminhando ou se exercitando em trilhas que margeiam a represa Billings.
Um dos possíveis futuros espaços de lazer da capital, que possui situação semelhante à qual ocorreu com o parque Augusta, ou seja, um imbróglio com uma construtora, é uma área verde de 17 mil m², localizada no cruzamento da avenida Vila Ema com rua dos Batuns. Ali, num terreno de propriedade da construtora Tecnisa, está prevista a implantação do parque Vila Ema.
Atualmente, o local está cercado por grades, todas elas novas, no entanto, por dentro da cerca de proteção o que se pode ver é lixo, alguns restos de móveis, além de mato relativamente alto.
O professor de ioga Fernando Salvio, 39 anos, é uma das pessoas que busca pela implantação da área verde. Por ser integrante do Movimento Viva o Parque Vila Ema, que luta há mais de 11 anos pelo espaço, ele relatou toda a história desde o pedido até os dias de hoje.
"Desde 2010 lutamos pela preservação do espaço verde. Havia o interesse da Tecnisa em construir prédios no local. Em 2010 foi decretada de utilidade pública. Mas ainda assim a construtora não desistiu". De acordo com ele, em 2013 foi aprovada verba para desapropriação, mas que não teve andamento.
Ainda segundo Fernando, somente em 2018 a empresa resolveu fazer a doação para a prefeitura em troca de potencial construtivo.
Sobre o parque na Vila Ema, a gestão municipal confirmou que está em tratativas com a proprietária do terreno. "A área verde no cruzamento da avenida Vila Ema com rua Batuns, na Vila Ema, é uma área particular e está em negociação com a prefeitura para a implantação de um futuro parque através de Transferência do Direito de Construir.
Procurada, a Tecnisa explicou que o terreno se encontra em processo de desapropriação pela prefeitura. "Portanto, não há planos de novos empreendimentos da Tecnisa na área".
Ainda na zona leste, uma outra área verde, que conta com aproximadamente 150 mil m² e deveria abrigar o parque Fazenda da Juta, está ocupada por diversos imóveis. O local está cravado no entorno de vários prédios populares, alguns deles com o logotipo da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano). Cercado por grades, não havia pessoas que caminhavam ou se exercitavam no local. Os moradores que eram questionados sobre se ali havia a intenção de implantar um parque, apenas balançavam a cabeça num sinal positivo.
Em nota, a prefeitura informou que, "quanto ao futuro parque Fazenda da Juta, o terreno pertence à municipalidade e a secretaria vai incluir no Plano PluriAnual 2022/2025 a previsão orçamentária para estruturá-lo". A pasta alegou que o projeto de implantação já está sendo elaborado, inclusive com relatórios da fauna e da flora do local.
Perus espera solução para antiga fábrica de cimento
Assim como os moradores da Vila Ema e da Fazenda da Juta, quem também reivindica uma área de lazer são as pessoas que vivem em Perus, um dos bairros mais distantes do centro. Um dos pontos que a comunidade entende como adequado e também foi alvo de interesse por parte do poder público foi a antiga e desativada fábrica Cimento Perus.
A intenção era que a área verde recebesse o nome de parque A Luta dos Queixadas, em homenagem aos trabalhadores da fábrica que eram conhecidos como queixadas. A fábrica encerrou as suas atividades, e o prédio foi tombado e virou patrimônio histórico da cidade de São Paulo em 1992. No entanto, o local, atualmente, está rodeado por mato e abriga diversas ruínas do que um dia foram imóveis e torres de concreto utilizadas para a produção do material.
Em nota, a prefeitura alegou que, "no momento, não há estudo para a implantação de parque pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente no espaço mencionado da antiga fábrica de cimento de Perus".
Não tão distante dali, na altura do número 4.000 da avenida Doutor Cantídio Sampaio, no Jardim Damasceno (zona norte da capital paulista), uma outra área verde que deveria ser um parque, mas virou mais uma das muitas favelas da cidade, entristece o líder comunitário Quintino José Viana, 70 anos. Ele coordena o Movimento Ousadia Popular, que oferece comida para moradores de rua e busca melhorias para a região, e relatou que fez de tudo ao longo dos últimos 50 anos para que o parque Brasilândia saísse, mas que só ouviu promessas de políticos, que foram abandonando a ideia aos poucos.
"Sempre falam que está em andamento. A gente gostaria de aproveitar o parque pelas fontes de água. Como a área está ocupada, esse parque não sai mais. Desprezam o nosso lado aqui porque não estamos no centro".
Brasilândia não sairá o papel
O que seria o parque da Brasilândia, uma área de mais de 300 mil m², está em uma área de proteção ambiental, além de ser disputada por movimentos de luta por moradia. No que depender da prefeitura, o pedido para que o local vire um parque não deve sair do papel. Em nota, a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente informou que o "terreno é particular e atualmente está ocupado por moradias, diferentemente do PDE (Plano Diretor Estratégico) de 2014, quando foi planejada como possível parque".
A pasta informou que a revisão do plano está prevista para 2022 e será analisada a possibilidade do parque Brasilândia ser implementado em um projeto integrado de urbanização que combine habitação e parque.
Uma das pessoas que lutam pelo parque dos Búfalos e que também esteve na inauguração do parque Augusta, que demorou cerca de 60 anos para sair do papel e só existiu após acordo da prefeitura com as construtoras que eram proprietárias do espaço, foi um dos líderes comunitários do Jardim Apurá, Wesley Silvestre, 34 anos.
De acordo com ele, a reivindicação pela implantação do parque é antiga, mas apenas em 2012 se tornou oficial, após decreto de utilidade pública. Desde então, ele viu prédios serem erguidos pela prefeitura no entorno da mata e da represa, mas nada de ver o parque dos Búfalos numa área de mais de 500 mil m² sair do papel.
Enquanto o Agora permaneceu no local, alguns frequentadores relatam que a limpeza, abertura e manutenção de trilhas e o corte de grama é feito pelos próprios usuários, sem qualquer auxílio do poder municipal.
"A situação que está não dá para ser chamado de parque. Não tem banheiro, nem mesmo químico, não tem vigilância. É porque é periferia. Nós da periferia somos completamente abanadonados", disse o montador Gilberto Alves, 65.
Quem também se queixou das condições do terreno foi o músico Fabiano Jesus da Silva, 42. "É tudo baseado em interesse econômico. A gente não tem uma quadra. Um parque deve ser protegido, ter vigilância".
Em nota encaminhada nesta quarta-feira (10), a Secretaria do Verde e do Meio Ambiente informou que prevê a implantação do parque dos Búfalos em 2022, sem especificar uma data. Segundo a pasta, o cercamento do local já foi realizado -a reportagem viu um grupo de homens trabalhando, mas ainda longe de cercar o espaço totalmente.
A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) ainda pontuou que desenvolveu um projeto básico e contratou um projeto executivo para a obra, que prevê caminhos, caminhos elevados, espaços de estar, construção da administração e parquinho. Diferentemente do que havia sido dito em 2015, de que o espaço contaria com ciclovia, pista de corrida e equipamentos de lazer, além do plantio de 29 mil mudas.
A nota atual ainda cita que o orçamento total das obras no parque dos Búfalos é de R$ 9 milhões, sendo que já foram investidos pouco mais de R$ 2 milhões.
Procurada, a Cetesb informou ter se encontrado com representantes da prefeitura em outubro para explicar sobre os documentos para regularização. Segundo o órgão estadual, são necessários alvarás de intervenção em Área de Proteção e Recuperação de Mananciais da Bacia Hidrográfica do Reservatório Billings.
Especialistas pedem mais áreas verdes
Segundo o PDE (Plano Diretor Estratégico) de 2014, a Prefeitura de São Paulo tinha intenção de criar 101 parques e estava implantando outros 67. À época existiam 105 espaços, número que atualmente é de 109.
A principal crítica dos especialistas é a de que, embora conste nos documentos oficiais que os parques estavam sendo implantados, quase todos ainda não saíram do papel.
É o caso, por exemplo, do parque Brasilândia (zona norte), na avenida deputado Cantídio Sampaio. Apesar do PDE de 2014 informar à época que ele estava em implantação, até agora sete anos depois, nem sinal de que o local vá receber a nova área verde.
Ao entregar o Plano de Metas à Câmara Municipal no dia 1º de julho, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) informou que abriria apenas oito parques até o final de sua gestão, em 2024, número considerado muito pequeno por especialistas.
Segundo Danielle Klintowitz, diretora do Instituto Pólis, um questionamento que a sociedade deve fazer ao poder público é porque em determinadas áreas as demandas são atendidas, como no caso na região da rua Augusta, que ganhou um parque após dez anos de mobilização da sociedade, e em outras, como no caso dos Búfalos, que tem reivindicações até mais antigas, os espaços não são criados.
"O parque dos Búfalos é um exemplo que não partiu da classe média, mas é uma demanda legítima da população de baixa renda do entorno, uma luta da periferia. Eles têm uma luta mais antiga do que a do parque Augusta. É bom vermos como se dará isso. Se essas demandas sociais vão começar a ser atendidas para todas as classes e territórios da cidade ou não", diz.
Igor Pantoja, doutor em sociologia e assessor de mobilização da Rede Nossa São Paulo, o mecanismo usado pela prefeitura no parque Augusta, de troca de potencial construtivo, poderia ser replicado em outras regiões da cidade para criação de dezenas de outros parques.
"Estamos em plenas discussões da COP26 e a cidade de São Paulo apresenta um grande contrassenso. A cidade quer mostrar que está na vanguarda das questões climáticas, mas sequer prioriza aumentar o acesso da população às áreas verdes", afirma.
Ele questiona o fato dos parques previstos no Plano Diretor Estratégico não ter sequer previsão de começar a ser construídos. "Ninguém sabe a situação deles", afirmou.
O especialista em gestão pública, Renato Eliseu Costa, também professor do curso de ciência política da Fespsp (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), afirma que do ponto de vista burocrático, não há diferença criar um parque no centro da cidade de São Paulo ou na periferia. "O que move mais é a prioridade política do prefeito", afirma.
Outro aspecto elencado por ele é a própria estrutura da administração municipal, que pode investir mais em regiões mais centralizadas –por meio de maior dotação orçamentária de subprefeituras instaladas no centro expandido, por exemplo– o que as das franjas da cidade.
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