Dois anos depois, morte de garoto no ABC continua sem culpados

Investigação feita pela PM exclui participação de policiais, segundo ouvidor

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São Paulo

Dois anos após Lucas Eduardo Martins dos Santos, na época com 14 anos, sumir na favela do Amor, comunidade em que residia em Santo André (ABC), e seu corpo ser encontrado em um lago na mesma cidade, com sinais de afogamento, mas sem marcas de violência, a família ainda não sabe quem o matou. Para os parentes, o menino foi morto por policiais militares. A PM nega.

Lucas sumiu nas primeiras horas da madrugada de 13 de novembro de 2019 ao deixar a casa onde morava com a mãe e os irmãos na periferia de Santo André para comprar um pacote de bolachas e um refrigerante. Após dois dias de buscas e protestos pelo bairro, o corpo do menino, apenas de cueca e meias, foi encontrado boiando no parque municipal natural do Pedroso, um dos braços da represa Billings, e a cerca de 10 quilômetros da casa da família.

Lucas Eduardo Martins dos Santos, que desapareceu em 13 de novembro de 2019, na favela do Amor, em Santo André (ABC), onde morava com a mãe e os irmãos; seu corpo foi encontrado dois dias depois boiando em um lago. O garoto tinha 14 anos - Arquivo pessoal

Ao Agora a mãe de Lucas confirmou que nem a Polícia Civil nem a Militar a procuraram para novos esclarecimentos ou para apontar culpados pela morte do menino. A investigação está sob responsabilidade do SHPP (Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa) de Santo André. Uma apuração paralela foi tocada pelo batalhão onde os PMs apontados pela família como suspeitos pelo crime trabalhavam.

Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) disse apenas que "o caso continua em investigação, sob segredo de Justiça". A pasta não forneceu o conteúdo do IPM (Inquérito Policial Militar) que já foi concluído e remetido para o Tribunal de Justiça Militar.

A reportagem também procurou pela Ouvidoria da Polícia para saber quais procedimentos foram adotados e o que se sabe até agora sobre o caso. O ouvidor Elizeu Soares Lopes disse que o órgão, desde a época da morte do adolescente, requisitou a apuração da PM, da Corregedoria e da Polícia Civil. Segundo Lopes, após ser procurado pelo Agora, ele entrou em contato com o corregedor da Polícia Militar, o coronel Eduardo Briciug.

De acordo com Lopes, o corregedor disse que foram investigadas todas as hipóteses denunciadas pelos parentes sobre a participação de policiais, mas, segundo o corregedor, não ficou comprovado a participação de PMs.

Lopes dise que, diante da informação de Briciug, a Ouvidoria vai requisitar formalmente as conclusões. O Agora tentou contato com o oficial da PM por telefone e por assessoria de imprensa da corporação, mas não obteve retorno.

Sofrimento

Desde a morte do filho caçula, a dona de casa Maria Martins dos Santos, 40, passou a viver a base de remédios, que a auxiliam a controlar a ansiedade, evitam convulsões e a ajudam a deitar na cama e dormir.

A dona de casa Maria Marques Martins dos Santos, 40 anos, mãe do adolescente Lucas Eduardo Martins dos Santos que desapareceu em 13 de novembro de 2019, quando estava na favela do Amor, em Santo André (ABC); o corpo do garoto, de 14 anos, foi encontrado dois dias depois boiando em um lago; ela ainda tem esperança de que os culpados pelo crime sejam identificados - Arquivo Pessoal

Mesmo após dois anos, que serão completados neste sábado, a mulher não desiste em buscar por justiça e colocar na cadeia os culpados por matarem seu filho. Porém, já começa a admitir que a impunidade, que ronda o caso desde os primeiros dias, fará Lucas ser mais um jovem negro encontrado morto em bairro pobre e sem solução.

"É um sentimento de impunidade, de tristeza de ver que o Estado faz e que fica por isso mesmo. Ninguém resolve nada, ninguém vai realmente atrás da verdade. O sofrimento só aumenta, porque estou vendo que não vai dar em dana", afirmou.

A suspeita dos familiares de que policiais militares estão por trás do sumiço e morte do garoto ocorre porque menos de duas horas depois de ele sair de casa, PMs estiveram no endereço da família perguntando quem morava ali. Maria afirma ter escutado a voz do filho, que teria sido pronunciada de dentro de uma das duas viaturas que estavam paradas alguns metros dali.

Os familiares anotaram o prefixo da viatura como uma daquelas que estavam no local. Durante a perícia, uma mancha de sangue foi encontrada no carro policial, mas não foi possível identificar se ela era de Lucas.

Dois soldados que trabalhavam naquele com o carro policial no dia do desaparecimento foram afastados das ruas à época. No entanto, a SSP não respondeu se eles continuam no trabalho administrativo ou se retornaram para o patrulhamento.

Por ironia do destino, a única pessoa presa desde a morte de Lucas foi a própria Maria. Dias depois de o menino ser encontrado morto e enquanto seu corpo esperava pelo reconhecimento formal por meio de amostra de sangue, a mulher foi prestar depoimento e proceder com o reconhecimento da dupla de PMs a qual ela apontava como suspeitos. No entanto, antes mesmo de visualizar os policiais, ela recebeu ordem de prisão, já que havia um mandado em aberto contra ela pelo crime de tráfico de drogas ocorrido em 2012. Presa, a mulher ficou encarcerada até abril de 2020, quando foi colocada em liberdade por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Desempregada, Maria relatou que vive de doações da família, dos vizinhos e da Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio, organização de direitos humanos que acompanha o caso desde o início.

A mãe de Lucas ainda detalhou que se tornou refém dos remédios, algo que tenta se livrar. "Sem remédio me dá muita crise. Às vezes não quero tomar para não ficar tão dependente, mas eu começo a passar mal. Começo a ficar muito agoniada, minha mente fica perturbada."

Sobre as investigações, o Tribunal de Justiça informou que o processo está em segredo de Justiça e desta forma, não há informações disponíveis. Resposta semelhante foi encaminhada pelo Ministério Público.

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