SP cancela compra de cação após ONG dizer que merenda poderia ter carne de tubarão
Prefeitura paulistana abriu edital para compra de 650 toneladas de peixe; segundo organização, venda de cação no país inclui tubarões e raias
Já é assinante? Faça seu login
Continue lendo com acesso ilimitado.
Aproveite esta oferta especial:
Oferta Exclusiva
6 meses por R$ 1,90/mês
SOMENTE ESSA SEMANA
ASSINE A FOLHACancele quando quiser
Notícias no momento em que acontecem, newsletters exclusivas e mais de 200 colunas e blogs.
Apoie o jornalismo profissional.
A Prefeitura de São Paulo suspendeu uma licitação para a compra de cerca de 650 toneladas de peixe cação para a merenda das unidades escolares do município. A suspensão ocorre simultaneamente ao repúdio feito por pesquisadores e por uma ONG com alerta de que a carne de cação pode ser composta por diferentes espécies de tubarões e raias, cujo consumo causa danos ambientais e riscos à saúde humana.
Um abaixo-assinado chegou a ser criado contra a gestão Ricardo Nunes (MDB) pelo Instituto Sea Shepherd Brasil, organização de proteção e conservação da vida marinha. A ONG enviou uma carta de repúdio à Secretaria Municipal de Educação nesta quarta-feira (10), data em que seria realizado o leilão da compra da carne de cação.
A prefeitura foi questionada sobre os motivos para suspender a licitação, mas não respondeu até a publicação desta reportagem. Afirmou apenas que o edital havia sido suspenso.
"Cação é, na verdade, um nome popular de todo tipo de peixe da família dos elasmobrânquios, que inclui os tubarões e as raias", disse Nathalie Gil, executiva da Sea Shepherd Brasil.
O biólogo e pesquisador associado ao CEPSUL/ICMBio (Centro de Pesquisa e Conservação da Biodiversidade Marinha do Sudeste e Sul), Rodrigo Barreto, afirma que, no Brasil, tubarões e raias são nomeados como cação para a venda. "O uso desse nome para comércio é estratégico. É um nome genérico utilizado para vender carne de um grupo de tubarões e raias", afirma.
Segundo Barreto, há um risco ambiental envolvido no consumo deste grupo de animais. "Cerca de 40% das espécies de tubarões estão ameaçadas de extinção e não há informações sobre outras 25% das espécies", argumenta o biólogo.
A carne de cação seria adquirida para a merenda de unidades educacionais vinculadas ao PAE (Programa de Alimentação Escolar). No edital divulgado pela administração municipal, o produto era descrito como "obtido de espécies de peixes denominadas comercialmente de 'cação' (segundo a IN nº 53/20, Mapa), íntegros, limpos, cortados em cubos uniformes, livres de pele, cartilagens e ossos".
O edital citava as normas estabelecidas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Na Instrução Normativa nº 53, são definidos os nomes comuns para os principais peixes comercializados no país. Nela, é possível encontrar as espécies de tubarão que podem ser chamadas de cação na comercialização.
Tubarão-bico-doce, tubarão-malhado, tubarão-lixa e tubarão-martelo são alguns exemplos de espécies listadas como cação na instrução normativa. Todas elas estão na lista de espécies ameaçadas de extinção do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.
Além do impacto ambiental, o consumo de carne de tubarão traz riscos à saúde, defende a executiva da Sea Shepherd Brasil. "O tubarão é topo de cadeia alimentar e alguns metais se bioacumulam, ou seja, acabam ficando na carne destes animais", esclarece Gil.
De acordo com a Sbeel (Sociedade Brasileira para o Estudo de Elasmobrânquios), a carne de tubarão está entre os pescados com maior concentração de metais pesados, como mercúrio e arsênio, que, quando ingeridos, podem causar danos à saúde.
Ainda segundo a Sbeel, a FDA (Food and Drug Administration), agência com atuação nos Estados Unidos semelhante à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no Brasil, não recomenda a inclusão de carne de tubarão no cardápio de mulheres grávidas, lactantes ou crianças.
A mesma agência exige nos EUA menos de 0,5 mg de mercúrio por quilo deste tipo de carne para adultos. No edital de compra de cação destinado às escolas paulistanas, o limite era de 1 mg por quilo, o dobro da recomendação estadunidense.
"É um tipo de peixe do qual não há controle do que está sendo vendido e é muito comum a merenda escolar tê-lo no cardápio", coloca Nathalie Gil. "Isso não é um fenômeno somente da Prefeitura de São Paulo, é um problema nacional, mas sendo a maior prefeitura do país, precisamos iniciar um movimento de mudança por todo o Brasil."
A prefeitura paulistana já comprou carne de cação anteriormente. A edição de 26 de fevereiro de 2021 tem do Diário Oficial da Cidade de 26 de fevereiro de 2021 tem publicada o termo de contrato de aquisição de cerca de 50 toneladas de postas de cação congeladas para alimentação escolar.
Ao informar que a licitação aberta no final de outubro foi suspensa, a Secretaria Municipal de Educação diz também que a rede já fornece outros tipos de peixe dentro do Programa de Alimentação Escolar.
"Todos os produtos adquiridos têm como exigência análises laboratoriais que garantem a qualidade e segurança dos estudantes atendidos pela Rede Municipal de Ensino", afirma a administração.