O povo é a raiz do futebol-raiz desde que a melhor criação do homem foi inventada. Plantada no coração da humanidade, de cima para baixo. Amor fertilizado com a bola, vadia, deslizando, desleixada, a esmo, pirâmide abaixo, quicando, tocando e penetrando as cabeças desde sempre ignoradas pelos intocáveis donos da bola.
Ora, bolas, bolada, criada. Do subsolo invisível às coberturas, mesmo completamente alijado das primeiras cruzadas, o povo é irreversivelmente contaminado. Infiltrações culposas espalham a paixão etérea, que independe de contrapartidas bem boladas.
O contato contagia. Futebol é a primeira pandemia. O tempo passa, o mundo gira, não há vacina... Roda a bola, bola roda, dá a volta no globo. Muito antes do plim-plim. Futebol é respirar, tête-à-tête, sentir, tim-tim.
O esporte bretão desabrocha. E gera frutos multiculturais, sortidos, coloridos. O passatempo nobre vira negócio onde se faz necessário incluir o pobre.
Nó na madeira, ignorado, lançado às traças, o povo é o caule orgânico que leva o futebol da raiz amadora a render frutos milionários, bilionários, trilionários. Cartolas nascem, reproduzem, morrem apodrecidos e voltam a adubar o sistema.
Em paralelo, há o grito mudo dos excluídos. Folhas e mais folhas são escritas, vividas, repartidas. A verdade faz curva sobre barreira: o Brasil vira Brasil e enche o peito para gritar Brasil com a folha seca de Didi, em 1958. Ninho seguro para o voo de Garrincha de Pau Grande, Pau-Brasil gentificado. A natureza escreve certo por pernas tortas e deixa a semente. Futebol é simples e complexo. À Garrincha, côncavo e convexo.
Quando a esperteza é demais mata o esperto. O futebol, aliado da putrefata turma que passa a boiada sob o fedor mórbido, perde até quando acha que ganha. Perde a guerra quem comemora sua vitória de Pirro como uma batalha de mundo à parte.
Sem a subversividade que coloca o brilho preto e branco de gente a eclipsar a relva verde, falta oxigênio para o futebol respirar. Até para sobrevir como negócio, futebol é esporte. O povo é o seu insumo, vital aporte, majoritário sócio. Quem o tem, tem sorte. Sem ele, é a morte.
A crônica "A Árvore" foi livremente inspirada no fotossintético monólogo homônimo escrito por Silvia Gomez, dirigido por Ester Laccava e João Wainer e estrelado divinamente por Alessandra Negrini.
Eduardo Galeano: "Somos porque ganhamos. Se perdemos, deixamos de ser".
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