Aposentados e sem trabalho, cinquentões buscam emprego

Para complementar a renda familiar, trabalhador enfrenta obstáculos para voltar ao mercado

São Paulo

Quem passou pelo vale do Anhangabaú (região central) na última semana se deparou com filas gigantescas de pessoas à procura de oportunidade de trabalho.

Organizado pelo Sindicato dos Comerciários, o Mutirão do Emprego atraiu milhares de trabalhadores e houve quem chegasse até com um dia de antecedência para garantir uma senha.

Entre o mar de gente que esperava sob um sol de 35ºC, aposentados e cinquentões disputavam vagas com o público formado tradicionalmente, em sua maioria, por jovens adultos.

É o caso do técnico de segurança do trabalho Luiz Henrique dos Santos, 58 anos. Desempregado há dois anos, ele estava com o filho, Abderraman, 18, à procura de uma colocação como jovem-aprendiz.

“Trabalhei mais de 40 anos como bombeiro e segurança, mas ainda não consegui me aposentar. Estou buscando vaga como vigilante ou o que aparecer.”

“O Brasil está em fase de transição demográfica, com a população envelhecendo. Esse cenário, aliado à crise econômica, faz com que a faixa acima dos 50 queira retornar ao mercado de trabalho como forma de complementar a renda da família”, explica Mariana Almeida, coordenadora do observatório do trabalho da Secretaria de Trabalho, do Ministério da Economia.

Segundo Almeida, esse é um público que tem mais dificuldades para se reinserir num emprego, principalmente por causa das novas exigências do mercado.

O eletricista aposentado Ronei Antonino, 70, procurava uma vaga como repositor de supermercado ou outra função que não exigisse muito esforço físico.

“Por causa da idade, preciso de algo mais leve. Até porque à noite, durante a semana, faço o ensino médio para aprender mais.”

A necessidade de qualificação surpreendeu Claudia de Santana, 53, desempregada há cinco meses.

“Quero uma vaga como operadora de telemarketing. No mutirão que vim no ano passado, as empresas não exigiam faculdade. Agora, estão pedindo”, explica.

O aposentado Celso Gasparini, 72, conta que sempre trabalhou como atendente de farmácia, mas que, pela idade, tem tido dificuldades para ser contratado.

“Meu último emprego com carteira assinada foi em 2008. De lá pra cá, pra não ficar sem nada, aceitei trabalhos sem registro.”

Celso explica que o preconceito acontece já durante o processo seletivo.

“Uma vez, vi o gerente jogando meu currículo no lixo. Um colega que estava comigo foi falar com ele, que respondeu apenas que meu perfil não condizia com o que a empresa procurava. Mas eu sei que é por causa da idade”, lamenta.

As vizinhas Eurídes Dias, 61, e Edna dos Santos, 54, buscavam ocupar o cargo de auxiliar de limpeza.

“Estou há cinco meses sem nada e, como tenho experiência como doméstica, me candidatei”, diz Edna.

Para a aposentada Eurídes, o benefício não é suficiente para se manter.

“Moro sozinha, não tenho ninguém que me ajuda. Por isso, preciso me virar."

Após os 60 | Dificuldade de se recolocar

  • A taxa de desemprego entre os trabalhadores com mais de 60 anos foi a única que não teve diminuição no segundo trimestre de 2019 na comparação com o mesmo período do ano passado

  • O índice passou de 4,4% para 4,8%

Entenda o aumento

  • O estudo, do Ipea, mostra um aumento do desemprego nesta faixa etária mesmo diante de uma alta de 5,3% da população ocupada

  • É considerado ocupado o trabalhador que tinha emprego na semana anterior à da entrevista

  • Isso acontece porque, com mais pessoas procurando emprego e não encontrando, a taxa de desemprego para a faixa estudada aumenta

Trabalhadores acima de 50 | Mercado de trabalho

  • Segundo especialistas, a recolocação no mercado de trabalho começa a se tornar difícil após os 50 anos

  • Com isso, o desempregado nesta faixa etária sofre duplamente: ainda não tem condições para se aposentar e não consegue se recolocar com facilidade

 

1 - Aproveite a maturidade

Pessoas acima de 50 anos podem ser bem avaliadas por recrutadores, principalmente, por ter maturidade, responsabilidade, experiência e estabilidade

2 - Mostre comprometimento

Muitas vezes, as empresas avaliam que os jovens no início de carreira são sinônimo de instabilidade, por buscarem muitas coisas novas

Principais áreas que procuram profissionais mais velhos

  • Administrativo

  • Atendimento ao cliente

  • Corretoras de imóveis e de seguros

  • Consultoria (de forma autônoma, prestando suporte a empresas e outros profissionais com a experiência que conquistou ao longo da carreira)

“O meu conselho para a pessoa com mais de 50 anos é procurar empresas que tenham como cliente alguém também nessa faixa etária. Além de passar mais credibilidade, o profissional pode usar esse argumento já na entrevista de emprego, por exemplo. Farmácias, livrarias, supermercados, corretoras, entre outros estabelecimentos são ótimas opções”, diz Cesar Souza, presidente da Empreenda e autor do livro ‘Jogue a seu favor’ (editora Best Business). 

Bianca Machado, gerente comercial da Catho (site de busca e oferta de empregos), explica que, mesmo se tratando de um grupo específico de profissionais, alguns dos pontos de atenção são os mesmos daqueles de outras faixas etárias.

“O candidato precisa ter um currículo bem feito: objetivo, coeso e com no máximo duas páginas. Coloque a experiência de forma bem descrita, resultados atingidos em empregos anteriores e as principais habilidades. Tudo de relevância pode brilhar aos olhos do recrutador”, explica.

“Hoje em dia, não só quem tem mais de cinquenta, mas profissionais de todas as idades, devem mudar a cabeça para um olhar não só de pedir emprego, mas de criar suas próprias oportunidades, como autônomo”, diz Cesar.

Para ele, o melhor cartão de visita de um profissional é a própria qualidade do seu trabalho e o bom relacionamento cultivado com a clientela. 

“Fazer networking, ou seja, estabelecer uma rede de contatos, é fundamental. Quem é mecânico, por exemplo, pode oferecer seus serviços para um condomínio e ampliar sua cartela de clientes lá mesmo. O boca a boca de um trabalho bem feito é infalível. E isso vale também para outras profissões, como eletricista, encanador, pintor, marceneiro, jardineiro, entre muitas outras”, diz. 

Fontes: IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Fundação Seade (Sistema Estadual de Análise de Dados), Isabela Helayel, especialista em Recursos Humanos da IRH Consultoria, e reportagem​

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