Prefeitura de São Paulo passa o rapa e leva pertences de moradores de rua

Ação em pleno inverno ocorreu sob os trilhos do metrô da avenida Cruzeiro do Sul, em Santana, na zona norte da capital

São Paulo

Colchões, barracas e alguns objetos destruídos por desgaste e pelo tempo foram arrastados pelo rapa da prefeitura na tarde desta segunda-feira (3), sob os trilhos da linha 1-azul do Metrô, na avenida Cruzeiro do Sul, em Santana (zona norte da capital paulista). A Subprefeitura Santana diz cumprir normas.

Restaram homens, mulheres, crianças e idosos que não têm para onde ir e encontram naquilo que a prefeitura chama de entulho um pouco de alívio nas madrugadas geladas do inverno paulistano, em plena pandemia de coronavírus.

Em plena pandemia de Covid-19, a Prefeitura de São Paulo retira pessoas em situação de rua  da avenida Cruzeiro do Sul, como Edson Monteiro Azeredo, de 79 anos
Em plena pandemia de Covid-19, a Prefeitura de São Paulo retira pessoas em situação de rua da avenida Cruzeiro do Sul, como Edson Monteiro Azeredo, de 79 anos - Ronny Santos - 3.ago.20/Folhapress

O trabalho dos agentes de remoção, escoltados por GCMs (guardas-civis metropolitanos) armados até de espingarda calibre 12, foi flagrado pela reportagem.

Em meio ao que ficou para trás, relatos de um rastro de desesperança entre pessoas que já perderam o emprego ou estão tão endividadas que nem o aluguel de um quarto miserável conseguem pagar.

É o caso do enfermeiro aposentado Edson Monteiro Azeredo, 79 anos, há seis meses em situação de rua. Durante a passagem do rapa, perdeu a barraca que lhe dava guarida no canteiro central da avenida.

“Ganho R$ 1.045. Com os consignados, recebo R$ 680. Por que esses consignados? A minha esposa ficou doente e tentei fazer o máximo, mas ela veio a falecer”, disse.

O profissional da saúde aposentado ficou sozinho e cheio de dívidas. Trocou a região metropolitana de Curitiba por São Paulo e passou a contar com uma ajuda governamental que nunca vem. “Sei que existe hotel social, mas ninguém dá o endereço e a assistente diz que vai ver. Não tenho telefone de contato. Fico na rua. E faz frio, viu?”

Divide o canteiro central com o aposentado um segurança de 42 anos, que passou a morar na rua após ficar desempregado em março. Hoje, vive de bicos, se envergonha do momento pelo qual está passando e prefere não dizer o nome. “Não queria que a minha família soubesse da minha situação. Eles já sofrem tanto e vão sofrer ainda mais [se descobrirem].”

O segurança nem conta com a ajuda de governo ou prefeitura para se reerguer e, mesmo abatido pelo desemprego, não se vê entre os mais necessitados em meio a esse inverno de 2020. “O chato é que a gente não tem nem para onde ir, amigo. Veja bem, como você vai para um albergue em uma pandemia? As pessoas que estão lá são ainda de uma situação bem mais difícil do que a nossa.”

Durante a passagem do rapa, quem não ficou para contar a sua história correu em meio ao trânsito e tentou esconder os colchões nas vielas à margem da avenida. Mulheres e suas crianças, inclusive.

​Subprefeitura afirma que seguiu normas

A Subprefeitura Santana, da gestão Bruno Covas (PSDB), diz que seguiu normas de decreto que dispõe sobre os procedimentos e tratamentos à população em situação de rua em ações de zeladoria urbana. “Foram desfeitas três barracas, que se caracterizaram estabelecimento permanente em local público, proibido pela legislação.”

A SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social) diz que foi notificada sobre a ação de zeladoria e intensificou as abordagens e o monitoramento diário no local.

A equipe do Serviço Especializado de Abordagem Social afirma que não atuou no dia da ação de zeladoria para não quebrar o vínculo com moradores de rua.

A Guarda Civil Metropolitana diz que apoiou os agentes da subprefeitura na ação e que o armamento de calibre 12 é de proteção individual do efetivo.

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