Voltaire de Souza: Tudo lotado

Voltaire de Souza

Templos. Clubes. Lanchonetes.
A Covid continua matando.
Mas algumas autoridades se mostram otimistas.
Começa a liberação.
O sr. Reginaldo dava um suspiro.
—Brasileiro é assim mesmo.
Ele endireitava a aba do chapéu.
—Povo sem disciplina.
Ele arrumou o laço da gravata.
—Então, que se contaminem.
Reginaldo checou os documentos na pastinha de elástico.
—Papelada do inferno.
Recadastramentos. Atestados. Revisões.
—Esse troço de aposentadoria é de enlouquecer.
A cabeça não andava bem.
—Outro dia, pensei que a Soraia estava na cozinha.
A esposa tinha morrido em 2007.
Visita ao INSS.
—Olha aí. As ruas cheias de gente.
Ele desceu até a plataforma do metrô.
—Impossível. Só tem vagão lotado.
Reginaldo se espremeu entre a multidão mal-encarada.
—Fedorentos. Irresponsáveis. Nesse aperto.
Uma senhora simpática tinha reservado um assento para ele.
—Senta aqui, Reginaldo.
—Soraia? É você?
—O trajeto é curtinho… você vai ver.
O ancião foi encontrado sem vida num vagão deserto.
Parado faz tempo na área de manutenção.
Os mortos se amontoam. Mas sempre sobra lugar.

Tudo lotado na pandemia
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