Justiça condena ex-PMs por tortura dentro de quartel que resultou em morte de motoboy em SP

Segundo investigação, Eduardo Luís Pinheiro foi espancado em sala no 9° batalhão, na zona norte

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São Paulo

O juiz Fabrízio Sena Fuzari, da 32° Vara Criminal, condenou nove ex-PMs acusados de participar da sessão de tortura que resultou na morte do motoboy Eduardo Luís Pinheiro dos Santos. O crime ocorreu há mais de 11 anos, na noite de 9 de abril de 2010, nas dependências da 1° Companhia do 9° Batalhão de Polícia Militar, na Casa Verde (zona norte da capital paulista).

As penas impostas variam entre 14 anos, nos casos de um sargento e de um cabo somando suas duas sentenças, a dois anos, no caso de alguns soldados. Os policiais podem recorrer em liberdade.

Em nota, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou que os "policiais militares envolvidos nos fatos responderam a Processo Regular que culminou na expulsão dos mesmos" pela Polícia Militar. A defesa dos policiais não irá se pronunciar.

Reportagem de 30 de abril de 2010 mostrou que os nove policiais militares suspeitos de envolvimento na tortura e assassinato do motoboy negavam ter cometido o crime. Nos depoimentos prestados à Corregedoria da PM, todos disseram que a vítima foi morta depois que deixou as dependências da 1ª Companhia do 9º Batalhão.

SÃO PAULO, SP, BRASIL, 10-01-2011 Elza Pinheiro dos Santos, mãe de Eduardo Luiz Pinheiro dos Santos. Ele foi encontrado morto com traumatismo craniano e hemorragia à 0h10 do dia 10 de abril de 2010, três horas após ser abordado por policiais militares e levado para a 1ª Companhia do 9º Batalhão, na Casa Verde, zona norte de São Paulo. - Rubens Cavallari/Folhapress

A maneira como a morte de Santos se deu, inclusive, chocou até mesmo o então comandante-geral da Polícia Militar, o coronel Álvaro Camilo, que chegou a escrever uma carta pedindo desculpas para a mãe do rapaz.

O texto, datado de 23 de abril, e escrito a próprio punho, tinha três páginas. "Quero, não comandante-geral da Polícia Militar, mas como Álvaro Camilo, dirigir-me à senhora e pedir desculpas pelo que, a princípio, pessoas insanas e desumanas fizeram a sua família", diz o primeiro parágrafo.

À época do crime, a pedagoga Elza Pinheiro dos Santos disse que seu filho havia sido morto por ser negro.

O então governador de SP, Alberto Goldman, morto em 2019, chegou a anunciar o pagamento de indenização para os familiares do motoboy.

O crime

Segundo a investigação, na noite do crime, policiais militares em serviço abordaram Santos na esquina da rua Maria Curupaiti com a avenida Casa Verde, em atendimento a um chamado sobre briga envolvendo alguns homens.

Após deter os suspeitos, os policiais então teriam os levado para as dependências do batalhão da PM, quando o correto era se dirigir para uma delegacia da Polícia Civil.

Algemado, Santos foi conduzido para uma sala nos fundos do imóvel, enquanto os outros homens permaneceram em outra parte da unidade militar.

Ainda de acordo com a investigação, Santos foi submetido a intenso sofrimento físico e mental, como forma de aplicar castigo pessoal, devido à sua conduta em ter resistido à atuação policial na rua.

Pelo apurado, o motoboy foi agredido com chutes, socos e golpes de cassetete, que foram ouvidos por outras pessoas presentes no local. A investigação ainda apontou que, "em dado momento, a vítima, ainda algemada, logrou deixar a sala na qual estava e, novamente, foi capturada pelos policiais militares e espancada".

Após a sessão de espancamento, ainda segundo a investigação, já por volta da meia-noite de 10 de abril, policiais militares apresentaram Santos, como uma vítima desconhecida, no hospital Doutor Lauro Ribas Braga, em Santana (zona norte da capital paulista). No local, foi constatado que o homem socorrido já chegara morto.

Na sequência, os policiais se dirigiram até o 13° DP (Casa Verde) e elaboraram um boletim de ocorrência, como se tivessem encontrado a vítima caída em via pública, no cruzamento da rua Voluntários da Pátria com a avenida Braz Leme. Segundo a versão dos PMs na delegacia, Santos estava com as calças abaixadas e sem camisa, com vários ferimentos pelo corpo, mas ainda com vida.

O exame necroscópico realizado no corpo do motoboy apontou uma série de lesões. Apontou-se "politraumatismos, produzidos por agente contundente, asfixia mecânica e várias manifestações traumáticas em diferentes partes do corpo". Também foi notado inúmeros hematomas e escoriações, típicos de tortura, diz trecho do processo.

Os outros homens detidos junto a Santos foram liberados sem que fosse registrado qualquer tipo de boletim de ocorrência.

Sentença

Passados 11 anos, o Tribunal de Justiça decidiu pela condenação do ex-sargento Wagner Aparecido Rosa e do ex-cabo Antonio Sidnei Rapelli Junior a 12 anos em regime fechado pelo cirme de tortura com resultado morte, e mais dois anos e dois meses em regime semiaberto por fraude processual.

Também foram condenados a 12 anos de prisão pela tortura com resultado morte os ex-soldados Alexandre Seidel, Raphael Souza Cardoso e Nelson Rubens Soares.

Já os ex-soldados Jair Honorato da Silva Junior e Fernando Martins Lobato foram sentenciados a dois anos e quatro meses de prisão em regime semiaberto. Enquanto os ex-soldados Rodrigo Monteiro e Ismael Pereira de Jezus foram condenados a dois anos e dois meses de detenção. Os quatro não teriam participado das agressões, por isso as penas menores.

Pela gravidade do caso, o juiz Fabrízio Sena Fuzari ainda decidiu pela perda do cargo público dos policiais Wagner Aparecido Rosa, Antonio Sidnei Rapelli Junior, Alexandre Seidel, Raphael Souza Cardoso e Nelson Rubens Soares. Outros três policiais militares foram absolvidos.

Outro lado

A reportagem procurou o escritório de advocacia Lacava, Maiolino e Vendramini, que consta no processo como defensor de oito dos PMs, mas os advogados não irão se pronunciar. O Agora não conseguiu localizar a defesa do soldado Lobato.

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